Um dia. Foi o período que durou o processo seletivo para o vestibular
específico para pessoas transgêneros e intersexuais na Universidade da
Integração da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). Antes que as etapas
pudessem avançar, o vestibular foi cancelado na terça-feira (16) por
recomendação do Ministério da Educação (MEC). A decisão, anunciada pelo
presidente Jair Bolsonaro pelo Twitter, gerou insatisfação entre
estudantes.
Por meio de nota, a Pasta afirma que considerou o processo ilegal
"pelo fato de que a Lei de Cotas não prevê vagas específicas para o
público alvo do citado vestibular".
A Unilab, ao anunciar a anulação, informou que a Procuradoria Geral
da República analisou que o "edital vai de encontro aos princípios da
razoabilidade, proporcionalidade e da ampla concorrência em seleções
públicas".
Professores e alunos ouvidos pela reportagem, porém, defendem que a ação foi arbitrária, além de transfóbica.
Para Luma Andrade, 1ª doutora travesti do Brasil e professora dos
cursos de Pedagogia e Humanidades na Unilab, a anulação do vestibular
feriu a autonomia da universidade. "Não existe nada contrário à Lei de
Cotas neste edital. Não se trata de uma seleção de ampla concorrência,
se trata de vagas ociosas, que não foram ocupadas. Outra situação é que,
na lei, as cotas são destinadas a grupos em situação de vulnerabilidade
e está clara que a população trans é vulnerável. Isso está plenamente
alinhado", destaca a docente, que participou da elaboração do edital que
seria destinado a alunos dos campi da Unilab no Ceará e na Bahia.
Seria a primeira vez que um vestibular voltado apenas para estes
grupos seria realizado no Brasil. "A novidade é um edital específico que
estava sendo feito separado do processo amplo. Outras universidades do
Brasil já destinam vagas para pessoas trans, então por que barraram esse
processo? Foi uma decisão unilateral e um parecer totalmente
distorcido", pontua Luma.
Exclusão
Como homem trans, Kaio Lemos passou por muitos obstáculos até chegar
ao mestrado em Antropologia na Unilab, onde estuda atualmente. Vítima de
transfobia e outras violências que a população LGBT enfrenta, ele
chegou a ficar anos sem estudar por medo.
"Não queremos ficar onde nossa identidade de gênero não é respeitada.
A Universidade acaba se tornando um espaço violento às pessoas trans.
Na Unilab, esses processos sociais sempre foram respeitados", afirma.
Pelo preconceito histórico, o vestibular se fazia necessário, segundo
Kaio, para combater o que ele denominou de "exclusão involuntária".
"Muitas pessoas trans ficam de fora do processo educacional pelo
preconceito sofrido e esse edital tinha o objetivo de reparar esses
danos causados e dar oportunidade a essas pessoas", pondera o mestrando.
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