A motivação é clara. O Governo Federal espera dinamizar a economia
brasileira ao liberar o saque de parte dos valores do Fundo de Garantia
de Tempo de Serviço (FGTS), mas o efeito registrado após aplicação da
medida, segundo especialistas consultados, deverá ser sentido apenas no
curto prazo, não sendo suficiente para retomar as perspectivas de
crescimento do País. Além disso, caso o Governo não implemente condições
para bloquear certos tipos de finalidades e concentrar a destinação do
dinheiro na compra de bens, o impacto dos saques do FGTS pode ser menor
do que o esperado pelo Ministério da Economia, de Paulo Guedes.
Segundo Raul Santos, vice-presidente do Instituto Brasileiro de
Executivos de Finanças (Ibef) no Ceará, analisando o cenário de
incertezas da economia brasileira - e consequentemente, a cearense -,
direcionar o dinheiro do FGTS para a compra de bens talvez não seja a
melhor opção para os trabalhadores. Santos ponderou que liquidar as
dívidas seja mais importante nesse momento, considerando que, além da
instabilidade do mercado de trabalho, a taxa de juros baixa favoreceria
essa escolha, no momento.
"São dois cenários: o Governo espera que as pessoas vão para o
consumo, mas, na minha opinião, é preciso liquidar dívida. As dívidas
foram feitas em um momento de juros altos, mas agora a taxa de juros
está baixo, então é importante que as pessoas avaliem e lidem com o bom
senso ao olhar para a vida pessoal e organizem as contas pessoais. O
momento é ótimo para liquidar as dívidas", disse Santos.
Sem um mecanismo para, de certa forma, forçar as pessoas a usar a
verba do Fundo para consumir, Santos afirmou que o Governo pode acabar
registrando um efeito menor do que o esperado na atividade econômica. A
expectativa é que, com a renda extra, as pessoas voltem a consumir, o
que geraria um aumento da demanda, e isso poderia influenciar
investimentos na produção no curto prazo.
Impacto prolongado
Contudo, mesmo que as pessoas decidam liquidar dívidas, a medida
ainda poderia apresentar resultados positivos mais tarde. Com o nome
limpo, haveria, novamente, a possibilidade da retomada de crédito. "A
impressão é que a medida, quando sair, saia com adaptações para que a
pessoa não possa levar o dinheiro para a conta corrente e gaste do jeito
que quiser", analisou.
"Se as pessoas forem liquidar dívida, o Governo não terá o retorno
esperado no curto prazo, mas, com o nome limpo, a pessoa poderia voltar a
tomar crédito e a consumir no futuro. Então, eu acho que o Governo deve
criar barreiras para que as pessoas voltem a consumir para dinamizar a
economia", completou o presidente do Ibef.
Uma das ideias do Ministério da Economia é liberar o saque do FGTS
para quatro perfis. Quem tem até R$ 5 mil no fundo, poderia pegar 35% do
saldo do FGTS; trabalhadores com até R$ 10 mil no FGTS teriam
autorização para sacar 30%; ainda se discute qual parcela terá direito
quem tem entre R$ 10 mil e R$ 50 mil no FGTS, mas o percentual não foi
definido; acima de R$ 50 mil, o trabalhador só poderia sacar 10% do
saldo total. Contudo, para Raul Santos, o mais indicado, no momento, a
partir do uso da verba do FGTS, é organizar as contas pessoais.
Solução paliativa
Além disso, Ricardo Eleutério, professor de economia da Universidade
de Fortaleza (Unifor), explicou que a medida que libera o saque do FGTS é
apenas uma solução paliativa de curto prazo para tentar reverter o
quadro de estagnação da economia. Assim como foi no Governo de Michel
Temer, a medida é uma alternativa situacional e deverá ser aplicada para
suprir, em parte, os efeitos das reformas estruturais de atualização
dos modelos da Previdência e do sistema tributário brasileiro.
Eleutério afirmou que os efeitos das reformas só devem ser sentidos
no médio e no longo prazo, e, por conta disso, o Governo precisa pensar
em medidas para tentar dinamizar a economia do País que possam agir
agora.
"A economia está precisando de um ânimo de curto prazo, de 2 ou 3
meses, para que tenhamos alguma variação positiva no PIB ainda nesse
ano. Começamos 2019 com uma previsão de alta de 2,5%, mas ela caiu para
0,81% nas últimas semanas. As reformas macroeconômicas produzirão
efeitos de médio e longo prazo", disse o professor.
Contudo, Eleutério ponderou que ainda não é possível prever com
precisão os impactos da liberação do FGTS por conta da indefinição de
regras e condições, que ainda devem ser anunciadas pelo Ministério da
Economia. Além disso, ele defendeu que seja feita uma análise cuidadosa
pelo Governo para não comprometer a saúde do Fundo. "A Medida dá uma
injeção e dá uma certa liquidez à economia, mas é preciso enxergar o
equilíbrio financeiro do Fundo como um todo", analisou.
Construção Civil teme impactos sobre o MCMV com liberação
A proposta do Ministério da Economia de permitir que os trabalhadores
saquem até 35% dos recursos de suas contas ativas do Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço (FGTS) liga o sinal amarelo para o setor de
Construção Civil, que depende de recursos do fundo para financiar a
construção e a compra de imóveis no programa Minha Casa Minha Vida
(MCMV).
"Um saque na ordem de R$ 42 bilhões, como foi falado, vai mexer com a
liquidez do fundo. Todos os empresários do setor estão inseguros",
afirmou o vice-presidente de Habitação do Sindicato da Indústria da
Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), Ronaldo Cury.
Ele disse que o setor foi "pego de surpresa" com a decisão.
Os recursos do FGTS servem como subsídio para o MCMV, que oferece
financiamento a taxas de juros mais baixas do que o restante do mercado
para a compra da casa própria.
Para André Montenegro, presidente do Sinduscon-CE, o FGTS está sendo
desvirtuado. "Ele foi um fundo pensado para financiar a Construção
Civil, saneamento, infraestrutura. Quando aplica esse recurso na
construção, tem uma reação imediata, cria milhares de empregos, além de
desenvolver outras indústrias. Mas muitos desses saques vão ser
aplicados no mercado financeiro. Faltará recurso para a Construção
Civil", lamenta o presidente.
dn
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