O bitcoin, a criptomoeda
mais negociada no mundo e referência para o setor, iniciou um movimento
de desvalorização em dezembro de 2021, que fez ressurgir uma questão: o
mercado estaria entrando em um novo “inverno cripto”?
O termo define um período de esfriamento do mercado de criptomoedas, com ativos em queda.
O fenômeno já foi registrado em duas ocasiões, bastante alinhado com o
desempenho do próprio bitcoin. Para especialistas consultados pelo CNN Brasil Business, porém, é cedo para dizer se o mercado de criptomoedas mudou de estação.
O que é “inverno cripto”?
Edemilson Paraná, professor da UFC, compara o “inverno cripto” ao tradicional bear market, uma expressão do mercado financeiro que define um período de queda do preço dos papéis e aversão a riscos.
Segundo ele, os investidores de moedas digitais buscam cunhar expressões e cultura próprias, daí o surgimento do termo.
Ele diz que é comum que os investidores associem os “invernos cripto” ao chamado halving,
um processo em que a quantidade de bitcoin emitida pela mineração é
reduzida pela metade, e ocorre a cada quatro anos, aproximadamente.
O halving
ajuda a sustentar a lógica de que a quantidade limitada da criptomoeda
só será minerada inteiramente em 2140. O último foi em 2020, com o
próximo previsto para 2024.
“A ideia é de que há um ciclo de alta
logo após o halving, porque abre uma sensação de escassez relativa, que
faz com que os agentes sintam-se instigados a comprar. Depois disso, em
até 1 ano, tem uma grande queda relativa com a estabilização do ritmo de
emissão, e a atividade cai”, diz.
Para Caio Villa, diretor de
investimentos da plataforma de negociação de criptoativos Uniera, outra
característica do “inverno cripto” é que os investidores “são tomados
pelo medo”.
“É um período longo, de mais de um ano, em que o preço
dos ativos não valoriza. Quando ocorre no ‘inverno cripto’, os novos
lançamentos de moedas caem porque não têm grande sucesso também”, diz.
Alex Buelau, diretor de tecnologia da fintech Parfin, também relaciona o “inverno cripto’ ao halving,
como um evento que encerra esses períodos. A taxa de emissão do bitcoin
começou em 50 unidades, e hoje já é de 6,25, o que ajuda a criar
choques de oferta.
“A ideia é que ele [o halving]
encerra o ‘inverno cripto’. Em seguida, tem um choque de oferta e, aí,
como a demanda continua igual, força os preços para cima. É um ciclo
vicioso ou virtuoso, porque a alta vira notícia, as pessoas entram,
compram e coloca mais lenha no setor”, diz.
Apesar disso, Paraná afirma que, muitas vezes, a análise sobre o “inverno cripto” é excessivamente focada no halving. “É uma visão muito fechada no que governa o comportamento econômico, não chega à macroeconomia”.
“É
um espaço naturalmente especulativo, e essas altas e baixas têm a ver
com isso, aos humores ligados aos da própria economia mundial”.
Invernos anteriores
Segundo Villa, o “inverno cripto” mais famoso foi o que começou entre dezembro de 2017 e janeiro de 2018. O próprio mês de janeiro, afirma ele, é ruim para o seto —tendência reforçada naquele período.
À
época, o mercado de criptomoedas começava a deslanchar, com o bitcoin
atingindo o marco histórico de US$ 20 mil. Pouco depois, porém, ele
iniciou um movimento de queda, que só seria revertida na segunda metade
de 2019, antes do grande impulso com a pandemia.
Villa diz que,
naquele período, o tamanho do mercado já permitia o lançamento de
diversos projetos e moedas, nas chamadas ofertas inicias de criptomoedas
(ICO, em inglês), mas a maioria acabou fracassando ou registrando
perdas de até 95% neste inverno.
Já Buelau afirma que o primeiro
“inverno cripto” do bitcoin aconteceu antes. Em dezembro de 2013, a
moeda digital atingiu a marca histórica de US$ 1 mil e, então, o preço
começou a cair e não conseguiu recuperar o patamar até 2017, depois de
um halving em 2016.
O inverno chegou?
Edemilson Paraná avalia que qualquer
análise sobre o “inverno cripto” precisa considerar o contexto
macroeconômico que afeta não apenas as criptomoedas, mas todos os ativos
no mercado.
Em 2020 e 2021, o cenário da pandemia
acabou se mostrando favorável às criptomoedas. Primeiro, as políticas
monetárias expansionistas ao redor do mundo para reduzir o impacto da
pandemia aumentaram a circulação de dinheiro, e uma parte pôde ser usada
em investimentos de ativos mais arriscados, como ações de tecnologia e
criptomoedas.
Ao mesmo tempo, o bitcoin passou a ser visto como
uma potencial reserva de valor, ou seja, um investimento de proteção de
valor investido em um cenário de inflação alta em diversos países com a
retomada da economia e o desequilíbrio entre oferta e demanda.
Nesse
contexto, as criptomoedas, e o bitcoin em específicamente, decolaram. O
maior criptoativo do mundo chegou a bater a marca de US$ 69 mil em
novembro do ano passado. Mas o cenário mudou a partir do fim de 2021.
Alguns
países já iniciaram processos de aperto monetário, retirando estímulos
do mercado e subindo juros. A maior economia do mundo, os Estados Unidos, já começou a reduzir a quantidade de dinheiro que injeta no mercado, e cogita subir os juros em março.
Com um ambiente mais desfavorável para ativos de risco, o bitcoin, e as criptomoedas como um todo, iniciaram trajetória de queda.
O ativo passou semanas na casa dos US$ 35 mil, com pequenas variações
para cima e para baixo, e apenas na sexta-feira (4) conseguiu tocar os
US$ 40 mil novamente.
“O bitcoin é um ativo especulativo e,
portanto, tem uma lógica própria de comportamento. Quando muita gente
entra, mais gente entra depois, uma lógica cíclica, de manada, que se
reforça. E quando muita gente sai, mais gente sai depois”, diz o
professor.
Apesar da tendência de desvalorização, Caio Villa diz
que, hoje, os dados não apontam para um cenário de inverno como o de
2017 ou o de 2014. Os números de carteiras na blockchain indicam que o período é de “acumulação”.
“Os
detentores de curto prazo estão se desfazendo do ativo, e detentores de
longo prazo, comprando. Vemos cada vez menos ativos disponíveis nas exchanges, e se não estão lá é porque não querem vender. Então, indica otimismo com o preço do ativo”, diz.
Outro sinal positivo é de que os mineradores também não estão colocando seus ativos à venda em exchanges. Como eles costumam vendê-los para arcar com custos e lucrar, a ausência disso indica aposta na alta.
Villa
também cita um movimento forte de IDOs (ofertas iniciais em finanças
descentralizadas), e que os com bons fundamentos estão dando lucro para
quem lança. Segundo ele, um cenário oposto ao do inverno.
Ele
afirma ainda que a maioria dos investidores tem tido prejuízo. Ou seja,
estão vendendo os ativos a um preço menor que o de compra. “O detentor
de longo prazo, de antes de março de 2020, não está vendendo, e poderia
estar realizando lucro”.
“Em 2017 e 2018, tivemos quatro grandes
quedas, chegando a 40%, da máxima em relação ao preço. Acho que ainda
estamos nesse processo, mas ainda estamos na segunda grande queda, ainda
faltariam duas para chegar em um cenário como o de 2018”, avalia.
Para
Buelau, “é difícil falar de inverno, porque o preço está ainda
relativamente alto, mesmo depois de chegar aos US$ 69 mil”. Segundo ele,
as análises ainda apontam um movimento ascendente do bitcoin.
Outro
fator que pode estar ligado a essa baixa, diz, é que a realização de
lucro ou prejuízo também é natural no fim do ano, já que antecede as
datas de pagamentos de impostos, e a declaração dessas movimentações pode gerar deduções.
No que ficar de olho?
Villa
afirma que o principal fator para as quedas é o medo nos investidores,
que viria de diversas formas. Há o fator da alta de juros nos Estados
Unidos, a tensão na Ucrânia e as incertezas sobre a pandemia.
“Tem muita gente nova no mercado, novos endereços de carteira, e se eles veem alguma queda, vendem, por medo”, diz.
Nesse cenário, ele afirma ser importante ficar de olho na aproximação do bitcoin da base de US$ 39 mil, que caso seja ultrapassada pode animar um novo movimento de alta.
Pela
volatilidade, porém, é difícil prever o movimento do ativo, e ainda não
há como descartar que algum acontecimento leve o bitcoin a um “inverno
cripto”. Para a queda, a base mais importante é a de US$ 29 mil, que
caso seja quebrada pode levar a recuos significativos.
Já Alex
Buelau avalia que o bitcoin poderia emendar uma queda prolongada se
chegasse à casa dos US$ 30 mil novamente, mas não há como projetar isso
com certeza.
A maior preocupação para o setor, nesse momento, é regulatória. Ele
afirma que a maior influência para as moedas digitais vem dos Estados
Unidos, e novidades regulatórias podem tanto ajudar os criptoativos
quanto derrubá-los.
“Os clientes institucionais gostam de
regulação pela segurança, certeza de operação idônea. Então é bom para o
mercado que envolve eles, alguns investidores pessoa física e os mais
antigos do bitcoin, que viam como alternativa ao mercado tradicional,
não gostam de regulação, mas é difícil enxergar como pode evoluir sem
ela”, diz.
Do ponto de vista macroeconômico, ele afirma que o bitcoin pode ter
um cenário promissor caso ganhe força como reserva de valor frente à inflação ainda elevada em boa parte do mundo.
“Tem
uma estrutura que mostra que hoje US$ 38 mil é importante por causa do
histórico, mas o mais importante para saber o que vai ocorrer é que US$
28 mil foi o mínimo de junho de 2021. Abaixo disso fica difícil de não
dizer que entrou em um inverno cripto”, afirma.
fonte: CNN