Dormitórios feitos embaixo de cajueiros sem proteção, água para beber armazenada em garrafões de óleo diesel aproveitados, alojamentos sem a menor higiene, ausência de sanitários e comida racionada. Dentre tantas cruéis condições, estas foram algumas vivenciadas por 103 trabalhadores resgatados, no ano passado, no Ceará, por estarem em situação de trabalho análogo a escravo nos municípios de Ibicuitinga, Granja e Barroquinha. Abolida no Brasil, em tese, em 1888, a escravidão, em moldes diferentes, mas com práticas que seguem atacando a dignidade humana, ocorre no Estado em pleno século XXI.
Apesar do contexto distinto dos de séculos passados, hoje, empregadores repetem as cruéis fórmulas e ainda submetem trabalhadores a atividades forçadas, em regime de servidão por dívida, em condições degradantes e/ou com jornada exaustiva no Ceará. Tais práticas são caracterizadas como crimes pelo artigo 149 do Código Penal brasileiro. De 2006 a 2013, no total, 422 trabalhadores foram resgatados da escravidão em municípios cearenses.
OPERAÇÕES
Conforme a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Ceará (SRTE/CE), entre 2006 e 2013, somente em 2010, 2011 e 2012 não foram realizadas libertações de trabalhadores no Estado. De acordo com o coordenador da Fiscalização Rural da SRTE/CE, Sérgio Carvalho, as atividades econômicas onde os trabalhadores foram encontrados, durante esses sete anos, em condições análogas a de escravidão no interior do Estado são corte da cana-de-açúcar, lenha e carnaúba, carvoaria e limpeza sob os fios de alta tensão.
De acordo com Sérgio, em 2013 a fiscalização do Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério Público do Trabalho e da Polícia Rodoviária Federal, encontrou trabalhadores que haviam sido aliciados e sobreviviam em condições extremamente degradantes. “Temos trabalhadores na base da cadeia produtiva vivendo em condições de séculos passados e quem está se beneficiando do trabalho atende a um mercado do século XXI”, enfatizou.
PROCEDIMENTOS
Sérgio explicou ainda que após o recebimento e análise da denúncia, parte-se para a fiscalização. Constatada a situação de trabalho escravo, os trabalhadores são retirados do local e o Ministério do Trabalho exige que o empregador providencie o mais rápido possível o pagamento da verba rescisória e a regularização do registro do empregado. A equipe de fiscalização segue acompanhando os trabalhadores e a operação só é concluída quando os mesmos são pagos.
Finalizada esta primeira etapa, o Ministério do Trabalho entrega os autos de infração (que darão início ao processo administrativo de entrada do empregador na lista suja) ao Ministério Público do Trabalho (MPT). O MPT, por sua vez, conforme o procurador do Trabalho, Carlos Leonardo Holanda Silva, findada a inspeção e regularizada a situação, provoca o judiciário através de ações civis públicas para fazer, justamente, a reparação civil dos trabalhadores escravizados. Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) também são firmados pelo MPT e os empregadores.
A cobrança pela responsabilziação penal dos empregadores compete ao Ministério Público Federal. Para o procurador, as situações de escravidão e trabalhos degradantes são subnotificadas no Estado dadas as dificuldades de denúncias e os gargalos da fiscalização. O Ceará conta, atualmente, com 120 auditores fiscais, sendo 110 responsáveis pela fiscalização em Fortaleza, Caucaia, Eusébio e Aquiraz. Desse total, 25 atuam na segurança e 85 no cumprimento da legislação, sendo que deste número alguns estão afastados.
RESGATES EM 2013
• Município: Ibicuitinga
Data: outubro de 2013
Atividade Econômica: Corte de lenha
Trabalhadores Resgatados: 7 sendo 2 adolescentes
Autos de Infração Lavrados: 16
Valor Pago em Rescisões: R$ 15.684,04
• Municípios: Granja e Barroquinha
Data: dezembro de 2013
Atividade Econômica: Carnaúba
Trabalhadores Resgatados: 96, sendo 3 mulheres
Autos de Infração Lavrados: 37
Valor Pago em Rescisões: R$ 250.257,49
THATIANY NASCIMENTO
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