Entra em vigor amanhã (9) o cadastro positivo compulsório. O sistema,
instituído na Lei Complementar 166, de abril deste ano, prevê a adesão
automática no repasse, sem consentimento, de informações de histórico de
pagamento de cidadãos a bureaus (escritórios) de crédito (como Serasa e
SPC – Centralização de Serviços dos Bancos e Serviço de Proteção ao
Crédito).
Eles servirão de base para atribuição de notas de crédito a cada
cidadão, que serão utilizadas como referência na tomada de empréstimos e
realização de crediários, entre outras operações. O cadastro positivo
já existe no país. Contudo, dependia da autorização do indivíduo para
que fosse incluído na lista.
A diferença da nova modalidade consiste na adesão automática, sem que
a pessoa tenha de dar qualquer permissão para que informações de
histórico de pagamento possam ser avaliadas pelos bureaus de crédito
para formar as notas. Serão avaliados os “dados financeiros e de
pagamentos, relativos a operações de crédito e obrigações de pagamento
adimplidas ou em andamento”, conforme descrito na lei.
Entram aí, por exemplo, o quanto uma pessoa atrasou pagamentos de
contas ou de cartão de crédito, que dívidas ela tem, com que empresas e
sua capacidade financeira de arcar com compromissos adquiridos. Podem,
inclusive, ser consideradas informações de desempenho também dos
familiares de primeiro grau.
A lei vetou o uso de algumas informações pessoais dos cidadãos para a
formação da nota, como as que “não estiverem vinculadas à análise de
risco de crédito e aquelas relacionadas à origem social e étnica, à
saúde, à informação genética, ao sexo e às convicções políticas,
religiosas e filosóficas”.
Essas notas (ou score, no termo em inglês utilizado entre as
empresas) podem ser empregadas por empresas e instituições financeiras
para determinados tipos de transação. Cada empresa vai definir a forma
de adotar as notas e que tipo de restrição determinados índices podem
trazer, como na diferenciação de condições, taxas de juros ou de acesso a
serviços.
Recusa
Os consumidores que não quiserem ter seus dados incluídos no cadastro
positivo podem solicitar a retirada. Essa requisição deve ser feita
juntamente aos bureaus de crédito, como Serasa, SPC e Boa Vista
Serviços. Caso a pessoa desista da saída do sistema, pode pedir o
retorno ao cadastro. Esses procedimentos podem ser realizados
presencialmente ou por meio dos sites dessas empresas.
A diretora de Operação de Dados da Serasa Experian, Leila Martins,
disse que o consumidor também pode requisitar aos bureaus a
disponibilização das informações sobre ele e cobrar a correção em caso
de dados errados. “Se ele entende que tem algum dado que não considera
correto, pode contestar. A fonte que deu origem tem que responder”,
explicou.
Benefícios
Para o presidente da Associação Nacional dos Bureaus de Crédito
(ANBC), Elias Sfeir, o novo sistema pode gerar benefícios aos
consumidores.
“Com o cadastro positivo você tem uma pontuação mais próxima
realmente do seu comportamento. Tendo essa pontuação mais próxima, os
agentes de crédito podem fazer melhor avaliação e dar uma taxa melhor de
juros, considerando o seu perfil”. A promessa do novo cadastro positivo
é que com tais informações, bancos, fintechs e outras instituições
reduzam taxas e juros.
Segundo Sfeir, em países que adotaram esse modelo houve queda de 45%
da inadimplência, o que causou impacto na redução de spreads bancários.
Com isso, haverá espaço para incluir pessoas no sistema de crédito,
beneficiar micro e pequenas empresas e aumentar a arrecadação.
Riscos
Na avaliação do coordenador de direito digital do Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Diogo Moyses, além do
cadastro positivo violar a privacidade dos consumidores, há problemas a
serem resolvidos na sua implementação.
O primeiro é o fato de a legislação apontar a possibilidade de uso de
alguns dados não expressos, o que abriria espaço para abusos. Por isso,
acrescenta, é importante que o Banco Central e a Autoridade Nacional de
Proteção de Dados (aprovada em lei neste ano, mas ainda não criada pelo
governo) regulamentem de forma detalhada os registros dos consumidores
que podem ser utilizados para a formação da nota.
A segunda preocupação envolve em que tipo de transação a nota de
crédito será admitida. Ele cita como exemplo as operadoras de telefonia,
que já estão restringindo o acesso a planos pós-pagos a pessoas com
notas baixas.
“Há um receio que o score seja utilizado para cercear o acesso dos
consumidores além das relações de crédito. Milhões de consumidores podem
ser excluídos economicamente. Em vez de gerar inclusão, o cadastro pode
se tornar instrumento de exclusão. Ainda mais com cenário de pessoas
desempregadas e aumento da inadimplência”, afirmou.
(Agência Brasil)