Wesley Safadão e mais três pessoas são denunciadas pelo Ministério
Público do Ceará (MPCE) por corrupção passiva e peculato em investigação
sobre o caso de fura-fila na vacinação contra a Covid-19. Além do
cantor, foram denunciadas: a esposa dele, Thyane Dantas Oliveira; a
assessora do músico, Sabrina Tavares Brandão; e a servidora da
Secretaria de Saúde de Fortaleza (SMS) Jeanine Maria Oliveira e Silva.
A denúncia foi pelos crimes de peculato e corrupção passiva
privilegiada. O documento foi protocolado no Poder Judiciário na manhã
desta sexta-feira, 5, dois dias depois que o Tribunal de Justiça do
Ceará (TJCE) decidiu pela continuação das investigações que foram
paralisadas por meio de um habeas corpus impetrado pelo cantor no mês de
novembro de 2021.
Oito promotores de Justiça assinam a acusação, que
resulta de um procedimento investigatório criminal que começou em julho
de 2021, depois que o casal e a produtora foram beneficiados com a
vacina contra o Covid-19 mesmo sem estarem na lista de imunização do
local.
A ação teve a participação de servidores efetivos e terceirizados da Secretaria da Saúde, além de assessores e amigos de Wesley.
A esposa de Wesley respondeu ao Ministério Público, que
recebeu tratamento diferenciado e justificou: "acredito que porque
somos pessoas diferentes", relatou. “No sentido de ser público e ter
esse cuidado de não aglomerar. Talvez se ele (Wesley) sentasse ali na
fila ia ter pedido de foto. Eu acredito que por isso que ele teve esse
cuidado de colocar ali na frente”.
Entenda o caso
O fato que motivou a investigação do Ministério
Público ocorreu no dia 08 de julho de 2021, nas dependências do North
Shopping Jóquei, um dos locais de vacinação da capital cearense à época.
De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza, Wesley
estava agendado para receber a primeira dose da vacina nesse mesmo dia,
mas no Centro de Eventos do Ceará – Salão Taíba. A assessora dele,
Sabrina Brandão, também estava com agendamento para o mesmo dia e local,
mas pelo sistema de drive thru, no estacionamento. Já a esposa do
músico, Thyane Dantas, sequer tinha registro de agendamento no sistema
Vacine Já, da Secretaria de Saúde de Fortaleza, naquela data. No
referido momento, estavam ainda sendo imunizados os cearenses com data
de nascimento até 1988, e Thyane, por sua vez, diferentemente, apresenta
como ano de nascimento 1991.
Segundo as investigações, a escolha de um local
diferente do agendado para receber a vacina foi motivada por um
interesse do cantor num imunizante específico. Enquanto no Centro de
Eventos a vacina distribuída era do laboratório AstraZeneca, no North
Shopping Jóquei, o imunizante aplicado era do laboratório Janssen,
aceito à época para ingresso nos Estados Unidos. Wesley mantinha uma
turnê com shows no mês de novembro em cinco cidades norte-americanas,
conforme amplamente divulgado pelo próprio músico em suas redes sociais.
Naquele momento, os imunizados com AstraZeneca ainda não estavam
liberados para entrar nos EUA.
Para o Grupo de Trabalho do MP, Wesley procurou
então por uma vacina amplamente aceita no exterior, em especial nos
Estados Unidos e, para tanto, mobilizou servidores efetivos e
terceirizados, além de assessores próximos para que fosse viabilizada a
imunização dele com a vacina da Janssen. E, como se não bastasse,
aproveitou para contribuir para o desvio de doses em favor da assessora e
da esposa, que nem estava agendada para aquele dia, em razão de não
possuir a idade exigida.
Dinâmica dos fatos
Conforme a denúncia, a articulação para o desvio
dos imunizantes contou com a participação de oito investigados. Além dos
três beneficiados diretos pela aplicação irregular das vacinas, o
esquema também teve o envolvimento de um outro funcionário da equipe de
Wesley, Marcelo da Silva Matos; de uma amiga e ex-funcionária de
Marcelo, Ellen Cristina Oliveira; de um integrante da equipe de
vacinação, Jorge Luís Alves de Freitas; do supervisor do posto de
vacinação, Danilo Fernandes da Silva; e da servidora da SMS, Jeanine
Maria Oliveira e Silva.
De acordo com os autos, Marcelo entrou em contato
com Ellen, porque sabia que a amiga tinha conhecidos e influência na
rede municipal de saúde do município de Fortaleza. Ela acionou Jeanine,
com atribuições no setor de logística de vacinas da Regional III da
Prefeitura. Jeanine, então, ligou para Jorge Luís, que naquele dia
(08/07/2021) estava em serviço no Posto de Vacinação do North Shopping
Jóquei, e o informou de que Ellen iria ao local levando três pessoas
para serem vacinadas (Wesley, Thyane e Sabrina). Tal “jogo de
influência” foi confirmado por Jorge Luís em seu depoimento constante da
Sindicância da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza.
Uma vez estabelecida a conexão entre os envolvidos,
Marcelo se dirigiu ao North Shopping Jóquei juntamente com o trio a ser
beneficiado pela vacinação irregular. Ellen, no entanto, chegou antes e
permaneceu aguardando a chegada de Marcelo, o que ocorreu cerca de 25
minutos depois. Primeiro Marcelo conduz Sabrina até o local da aplicação
do imunizante. Enquanto ele conversa rapidamente com Ellen, Sabrina é
encaminhada por Jorge Luís e Danilo para o setor de registro, sem passar
pela triagem e sem conferência de documentos.
Enquanto isso, Marcelo retorna ao estacionamento
para conduzir Wesley e Thyane até o salão da vacinação. Ao chegarem ao
local, o trio é recebido por Ellen e também encaminhado por Jorge Luís e
Danilo diretamente para o setor de registro, novamente sem passar pela
triagem e sem conferência de documentos, comprovando assim a burlar às
normas pertinentes e a facilitação da vacinação irregular dos
denunciados.
A dinâmica dos fatos foi elaborada a partir dos
depoimentos dos denunciados tanto no Procedimento Investigatório
Criminal (PIC) do MPCE quanto na sindicância da Secretaria Municipal de
Saúde de Fortaleza, e também por meio das imagens de vídeo do circuito
interno de TV do North Shopping Jóquei, anexadas à investigação.
Crimes cometidos
Segundo os promotores de Justiça que assinam a
denúncia, não restam dúvidas sobre a prática dos delitos de peculato
(art. 312, CPB) e corrupção passiva privilegiada (art. 317, § 2º, CP)
atribuídos aos denunciados Wesley Oliveira da Silva, Thyane Dantas
Oliveira, Sabrina Tavares Brandão e Jeanine Maria Oliveira e Silva, bem
como aos investigados Marcelo da Silva Matos, Ellen Cristina Oliveira da
Silva, Jorge Luís Alves de Freitas e Danilo Fernandes da Silva, estes
últimos beneficiados por Acordo de Não Persecução Penal, razão pela qual
deixaram de ser delatados.
Durante as investigações, também foi oferecido um
Acordo de Não Persecução Penal a Wesley, Thyane e Sabrina. O MPCE
ofereceu a proposta de pagamento de prestação pecuniária de 360 salários
mínimos para Wesley, 360 salários mínimos para Thyane e 25 salários
mínimos para Sabrina, de forma que o valor total fosse designado para
entidade pública ou privada com destinação social. Cada quantia foi
calculada pelo Ministério Público considerando parâmetros legais e a
estimativa da capacidade econômico-financeira de cada investigado.
Contudo, a oferta não foi aceita pelos três. A Lei Processual Penal
(Art. 28-A) exige que, para a celebração do acordo, haja confissão
circunstanciada dos fatos.
“…somos pessoas diferentes…”
Ao ser questionada sobre os motivos do tratamento
diferenciado dispensado ao casal, em depoimento colhido pelo Ministério
Público, a denunciada Thyane Dantas disse: “Eu acredito porque somos
pessoas diferentes”. Ao ser indagada em que sentido seriam pessoas
diferentes, ela afirma: “No sentido de ser público e ter esse cuidado de
não aglomerar. Talvez se ele (Wesley) sentasse ali na fila ia ter
pedido de foto. Eu acredito que por isso que ele teve esse cuidado de
colocar ali na frente”.
Para o MPCE, isso não justifica a conduta dos
denunciados, primeiro porque não cabe a eles a escolha dos locais de
vacinação, nem tampouco buscar benefícios com o intuito de supostamente
evitar possível aglomeração; e segundo, porque, como claramente é
possível observar nos vídeos captados pelo circuito interno do shopping,
havia poucas pessoas no local de vacinação, tanto que o próprio
delatado Wesley se dispôs a tirar fotos com fãs depois de receber o
imunizante irregularmente, sem que isso tenha gerado aglomeração ou
tumulto no loca
O POVO