Caracterizada por uma anomalia da gestação que gera uma proliferação anormal do tecido trofoblástico da placenta, a doença trofoblástica gestacional (DTG) surge de um erro no momento da fecundação. A Obstetrícia do Hospital Regional Norte (HRN), vinculado à Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) e administrado pelo Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar (ISGH), está se consolidando como referência no diagnóstico e tratamento da patologia. As práticas do setor são citadas no manual sobre a Linha de Cuidados para Doença Trofoblástica Gestacional da Associação Brasileira de DTG, lançado na quarta-feira (20) pelo Ministério da Saúde (MS).
A coordenadora médica da Obstetrícia do HRN, Eveline Valeriano, explica que o lançamento da linha de cuidados irá mostrar à comunidade e à assistência primária como conduzir e para onde direcionar as pacientes. O hospital recebe casos da DTG desde 2014, mas neste ano está se firmando como referência no atendimento a pessoas com o diagnóstico. Já foram atendidos cerca de 260 pacientes com suspeita da doença no equipamento – que devem ser encaminhados pela Central de Regulação do Estado.
Valeriano ressalta que, preferencialmente, o tratamento deve ser conduzido em centros de referência. “É uma intercorrência obstétrica que pode evoluir para neoplasia [massa de tecido anormal] e, por isso, seu seguimento em centros de referência por profissionais que conhecem o manejo é imprescindível, para precocemente levantar a suspeita e avaliar a necessidade ou não de complementar o tratamento com quimioterapia”, explica.
A DTG pode ser confundida com abortamento, mas precisa ser investigada e tratada para evitar complicações. “O erro da fecundação leva à formação de células anormais da placenta, e às vezes também do feto. Pode ser confundida com abortamento, mas é importante entender que, nestes casos, é necessário um acompanhamento após a alta, para garantir o sucesso do tratamento”, pontua a médica.
Tratamento
A abordagem inicial é realizada com a retirada do material observado dentro do útero, procedimento chamado de esvaziamento uterino. Após a alta hospitalar, a pessoa receberá orientação para manter o seguimento ambulatorial até a alta definitiva. “O seguimento ambulatorial é feito com visitas frequentes ao hospital de referência para colher exame de sangue – o Beta hCG quantitativo –, que deve mostrar queda dos valores a cada resultado, até ficar negativo, que é abaixo de 5 mUI/mL. Importante durante o seguimento também resgatar o laudo anatomopatológico [análise macro e microscópica de fragmentos de tecido, órgãos ou parte de órgãos do paciente]”, detalha Eveline Valeriano.
A pessoa com o diagnóstico deverá, ainda, fazer uso de algum método contraceptivo seguro e eficaz, enquanto estiver em observação, pois uma nova gestação imediata atrapalha o acompanhamento. “Quando os exames apresentarem valores desejados, resultados normais por um tempo, o médico que acompanha vai orientar os cuidados para uma nova gestação”, diz a médica. No caso de alterações nos exames, poderá ser necessário refazer alguns testes e discutir sobre a necessidade de nova abordagem cirúrgica ou, mais frequentemente, tratamento medicamentoso.
Segunda gestação
A professora Greice Kelly Lima Araújo Ferro, 35, engravidou pela primeira vez em 2017. No início da gestação, a obstetra que a acompanhava percebeu que se tratava de doença trofoblástica gestacional. Ela foi encaminhada para o HRN para fazer o esvaziamento uterino e começar a avaliar os índices de Beta hCG quantitativo.
Com as taxas alteradas, a paciente foi encaminhada para outra unidade de referência em Fortaleza, onde ocorreu o tratamento. Cerca de um mês após a abordagem inicial, Greice recebeu o diagnóstico de um coriocarcinoma, tipo de câncer que se desenvolve durante ou após a gestação, denominado de neoplasia trofoblástica gestacional (NTG).
Quando o hCG foi estabilizado, a paciente continuou fazendo acompanhamento mensal por mais um ano, até que recebeu alta para tentar engravidar novamente. “Minha doença foi do tipo mais grave, mas, com o cumprimento correto do tratamento e com a minha fé, venci. Em janeiro de 2019, engravidei novamente, mas desta vez aconteceu da melhor forma, e Deus me mandou o maior presente de todos, uma gestação saudável seguida de um bebê perfeito, que nasceu em outubro de 2019”, relata. João Ivo Nogueira Ferro, filho de Greice Kelly, completou dois anos no último dia 16 de outubro.
Ela ressalta, porém, que ainda há muita desinformação sobre a DTG. “A pior parte desta doença é a falta de informação sobre ela. Percebi essa mesma angústia nas outras mulheres que conheci e com as quais conversava durante as esperas das consultas, principalmente para aquelas pessoas que têm menos acesso à informação ou estão em situação social vulnerável”.