O economista e professor da Fundação Getúlio Vagas (FGV) Paulo
Nogueira Batista advertiu os integrantes da Comissão de Relações
Exteriores (CRE) sobre a possível perda de autonomia que o Brasil terá
para traçar políticas públicas caso o país ingresse na Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Por iniciativa do
senador Jaques Wagner (PT-BA), a CRE debateu as negociações entre Brasil
e Estados Unidos sobre a entrada do país na organização. Também
participaram da audiência representantes dos ministérios da Economia, da
Agricultura e das Relações Exteriores.
Para Paulo Nogueira, não seria conveniente para o Brasil ficar preso a
estratégias de desenvolvimento características de países muito
diferentes.
— A OCDE é um clube normativo, com normas que restringem severamente a
aplicação de políticas de desenvolvimento que convêm a nós. E o governo
Trump ainda condiciona nossa entrada a abrir mão do tratamento especial
diferenciado [TED] na Organização Mundial do Comércio [OMC], o que será
um pedágio muito pesado pro país. Então é absurdo. Estamos optando por
uma estrada estreita e problemática que conduz ao precipício. O
precipício é perder a soberania na definição de uma série de políticas
públicas num grande número de áreas — disse.
Conhecimento
O diretor do Departamento de Estratégia Comercial da Câmara de
Comércio Exterior (Camex), Fernando Alcaraz, disse, no entanto, que o
Brasil será beneficiado com o ingresso na OCDE. A organização, afirmou,
tem 60 comissões de estudos e avaliações de políticas em todas as áreas,
com pessoal qualificado de diversas partes do mundo. Esse conhecimento,
disse, estará disponível ao país e poderá ser usado na gestão
governamental brasileira.
De acordo com ele, mesmo que a OCDE recomende políticas públicas, a
decisão final cabe ao país, e, portanto não haveria riscos à soberania.
— Pelo fato de ser um key partner [parceiro preferencial], mas ainda
não um membro pleno, aderimos já a uma a uma série de instrumentos da
OCDE, porém sem direito a voto. Queremos melhorar o ambiente de negócios
e dinamizar nossa economia, por isso reivindicamos a adesão plena. Hoje
a OCDE está revisando, por exemplo, a legislação no que tange a fluxos
de capitais e nós não temos nenhuma condição de interferir.
Influência
A falta de poder dos países em desenvolvimento para influenciar
decisões internas da OCDE, aliada ao tratamento não diferenciado que o
Brasil terá, também são aspectos apontados por Paulo Nogueira como
nocivos o Brasil.
Um cenário muito diferente ao que o país tradicionalmente encontrou
na OMC, onde liderou as nações em desenvolvimento e foi o mais
beneficiado pelo mecanismo de solução de controvérsias.
Para Nogueira, o Brasil vai se apequenar ao aceitar abrir mão do TED,
condição imposta pelos Estados Unidos para que o país faça parte da
OCDE. Países como Coreia do Sul, Nova Zelândia, Estônia, México e Chile,
ressaltou, não abriram mão do TED para entrar na OCDE. A exigência
também não está sendo cobrada de Argentina, Colômbia, Bulgária ou
Romênia, que também negociam o ingresso na organização. China e Índia,
outros dois países que fazem parte dos Brics, nem cogitam abrir mão do
TED para entrar na OCDE, segundo o economista.
Clube dos Ricos
Atualmente 36 países compõem a OCDE. Conhecida como “clube dos
ricos”, a organização criada em 1961 até hoje mantém a marca, segundo
Paulo Nogueira, por ter sido fundada por uma grande maioria de nações
com alto índice de desenvolvimento sócio-econômico. Diferenças que
prejudicariam também o mercado de capitais no Brasil.
— A liberalização da conta de capitais praticada na OCDE é bem mais
radical que a recomendada pelo FMI [Fundo Monetário Internacional].
Muitos economistas, aos quais eu me alinho, entendem que adotar este
tipo de política não favorece países em desenvolvimento. Uma das muitas
razões por que China e Índia nem cogitam entrar na OCDE é esta,
justamente porque adotam um regime de administração da conta de
capitais. Muito mais bem-sucedido que o de outros países emergentes que
adotam políticas liberais — opinou.
Mas para o secretário de Política Exterior do Itamaraty, Norberto
Moretti a entrada do Brasil na OCDE será benéfica ao país. Segundo ele,
todos os acordos do Brasil hoje beneficiados com TED na OMC serão
mantidos e só perderão o benefício nas negociações futuras.
— Quando levamos em conta o potencial de atração de investimentos que
a adesão à OCDE provoca, além do aprimoramento das políticas públicas
subsequentes, os ganhos econômicos são inegáveis. A tendência da OMC
hoje é limitar o TED apenas aos países mais pobres do mundo, e nós não
nos enquadraremos mais. Além do mais, historicamente, o tratamento
especial diferenciado falhou como estratégia de desenvolvimento para a
maioria dos países que o adotaram. Porque o TED desestimula a exportação
de produtos de maior valor agregado. O mais importante para nações como
o Brasil é trabalhar na reforma das regras da OMC do que se ater ao TED
— defendeu.
Moretti ressaltou ainda que, segundo estudos do Itamaraty, o Brasil
estaria hoje em conflito com menos de 10% dos protocolos da OCDE. Ou
seja, a eventual adesão não causaria, segundo ele, esforços traumáticos
de adaptação, com a conveniência de reduzir consideravelmente as
avaliações de risco dos investidores internacionais.
Exportações
O coordenador-geral de Competitividade do Ministério da Agricultura,
Carlos Halfeld, disse que as exportações do agronegócio não sofrerão
perdas se o Brasil abrir mão da TED para entrar na OCDE. Isso porque o
país ainda está longe de atingir as cotas relativas à exportação de cada
produto no âmbito da OMC, uma consequência direta da diversificação do
comércio exterior brasileiro.
O senador Jaques Wagner e o ex-secretário de Comércio Exterior do
Ministério do Desenvolvimento Welber Barral ressaltaram que a fase de
adesão de um país na OCDE é lenta e precisa do apoio de todos os
integrantes efetivos. Para eles, esse processo provoca incertezas e pode
amarrar o país a pré-requisitos durante anos, para que as negociações
sejam mantidas.
Fila
Barral ainda disse que Argentina e Colômbia estão na frente do Brasil
nesse processo, o que deve atrasar a adesão brasileira na fila de
nações latino-americanas.
— A nota oficial brasileira [sobre o ingresso do Brasil] menciona que
a adesão se dará em linha com a proposta dos EUA. Nas rodadas Uruguai e
Doha da OMC, o Brasil era o líder dos emergentes. Nos termos em que
negocia a entrada na OCDE, o Brasil perde essa posição. Modifica nossa
condição negociadora em temas relevantes da OMC e perde protagonismo —
disse.
O senador Angelo Coronel (PSD-BA) também criticou a “subserviência”
aos EUA e disse temer que a nova diretriz provoque perdas em negociações
de comércio do Brasil com a China.
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