Dois anos atrás, a universitária Francisca Sales trocou a vida
agitada da capital cearense pela Terra dos Monólitos, no Sertão Central.
A mudança foi justificada pela realização de um sonho: a aprovação em
Engenharia de Software na Universidade Federal do Ceará, campus Quixadá.
Nova cidade, nova rotina. Antes, em Fortaleza, a jovem se deslocava por
meio do transporte coletivo. Agora, para ir até a universidade, faz uso
de mototáxi, uma viagem mais cara e considerada mais perigosa na
avaliação da fortalezense. A mudança na forma de se locomover, no
entanto, não foi uma escolha.
Quixadá é uma das 179 cidades cearenses que não contam com transporte
público coletivo rodoviário. No Estado, apenas cinco municípios
(Fortaleza, Caucaia, Maracanaú, Juazeiro do Norte e Crato) dispõem desta
modalidade, conforme levantamento do Sindiônibus.
"O restante das cidades só tem serviços muito precários, na maioria
dependente de vans que operam sem garantia de regularidade ou controle",
pontuou a assessoria do Sindiônibus.
O número, correspondente a menos de 3% de todas as cidades cearenses,
está bem distante da porcentagem brasileira. Segundo a Associação
Nacional de Transportes Urbanos (NTU), dos 5.570 municípios do Brasil,
2.901 oferecem serviços de transporte urbano, um total de 52% da nação.
Diante desta realidade, fica evidente a necessidade da criação de
incentivos e políticas públicas que facilitem o deslocamento das pessoas
a diversos pontos de uma cidade. Para o professor do Departamento de
Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), Mário
Ângelo de Azevedo, a ausência deste modal causa impacto em diversos
setores da sociedade.
O especialista considera que, além de dificultar a locomoção das
pessoas, obrigando-as a utilizar veículos próprios ou a pagar mais caro
por serviços particulares - como taxi e mototáxi -, a ausência do
transporte impacta até na economia da cidade.
"Empresas e indústrias buscam se instalar em locais bem
estruturados", pontua Ângelo. Ele destaca ainda que o dinamismo da
economia está intimamente ligado à circulação de pessoas. "Se há
facilidade no ir e vir, há ganho na qualidade de vida. É um benefício
que vai além da mobilidade urbana", acrescenta.
Pouca adesão
Especialistas em mobilidade recomendam a implantação de transportes
coletivos em cidades com mais de 60 mil habitantes. No Ceará, 26
municípios possuem esse quantitativo e outros três (Tauá, Limoeiro do
Norte e Barbalha) se aproximam desta marca, com mais de 58 mil
moradores. Quixadá, com 80 mil habitantes, era um dos que deveriam
contar com esta modalidade, no entanto, a criação de um projeto que
implantaria coletivos na cidade estacionou. No início deste ano, o
secretário de Cidadania, Segurança e Serviços Públicos de Quixadá, Higo
Carlos Cavalcante, afirmou que o Município estava trabalhando para a
implantação de seis linhas regulares de transporte coletivo na cidade.
Além disso, o titular da Pasta divulgou à época que um engenheiro de
trânsito seria contratado para elaborar os estudos das rotas, incluindo o
funcionamento da área de embarque e desembarque no Centro. Seis meses
depois, o projeto não saiu do papel.
Cavalcante justificou o não-andamento do projeto afirmando que
"surgiram outras prioridades, como a recuperação da malha viária e a
limpeza da cidade". O secretário não definiu uma data para a implantação
das linhas de ônibus. "Meu gasto diário com mototáxi poderia estar
sendo aplicado em meus estudos, em lazer ou em qualquer outra coisa,
caso aqui tivesse ônibus", crítica a universitária Francisca Sales.
Espera
Em Iguatu, cidade polo da região Centro-Sul cearense, os mais de 100
mil habitantes também não contam com transporte coletivo urbano
rodoviário. No entanto, até o fim deste ano, esse cenário pode ser
modificado. A Câmara Municipal de Vereadores aprovou lei que regulamenta
o serviço. O processo licitatório para escolha da empresa que vai
prestar o transporte coletivo já foi concluído, e a estimativa é de que,
até o fim deste ano, seja efetivada a contratação da empresa. A ideia
inicial é atender os moradores da Vila Gadelha, onde estão sendo
construídas 900 casas do Programa Minha Casa Minha Vida, distante 8 km
do Centro.
"Iguatu já é uma cidade grande, com vários bairros em expansão e
precisa de transporte coletivo. A gente não pode ficar dependendo de
mototáxi", disse o estudante Márcio Lopes.
O debate ocorrido no Legislativo de Iguatu deveria ser, na análise de
Mário de Azevedo, "mais frequente". Ele destaca que, em muitos casos,
as empresas não se sentem atraídas a atuar em determinados municípios e,
portanto, cabe aos gestores garantir um cenário adequado para
recebê-las.
O Sistema Verdes Mares tentou contato com o Departamento Estadual de
Trânsito (Detran-CE) para saber como é feita a fiscalização e
regulamentação dos transportes coletivos nas cidades cearenses. No
entanto, a reportagem não obteve respostas.
Já a Agência Reguladora do Estado do Ceará (Arce) informou que atua
somente no transporte intermunicipal e que "o levantamento do
Sindiônibus refere-se apenas ao transporte municipal".
dn