Centenas de pessoas de máscaras caminharam pelo
National Mall, a esplanada da capital americana, nos últimos dois finais
de semana para ver a temporada de cerejeiras. Uma cena comum em
Washington, com crianças empinando pipa e famílias alegres, mas
impensável no ano passado, quando os Estados Unidos atravessaram meses
de terror com o início da pandemia de coronavírus.
Desde que a prefeitura de Tóquio enviou 3 mil
árvores de presente à cidade em 1912, milhares de pessoas visitam a
região para ver a florada exuberante do início da primavera. Mas em 2020
o auge das flores coincidiu com o primeiro pico da pandemia de
coronavírus no país. O entorno da região foi bloqueado para evitar
aglomerações e os americanos mal saíam de casa para questões básicas,
como ir ao supermercado.
Um ano depois, a aceleração na vacinação no país levou
as pessoas de novo às ruas para atividades antes triviais e agora
novamente liberadas: como a visita às cerejeiras.
Já são mais de 101,8 milhões de americanos vacinados com pelo menos uma dose.
E eles começaram a retomar parte do que deixaram de lado por um ano.
Encontrar a família, jogar futebol, viajar, fazer planos para celebrar o
casamento, jantar fora e ver amigos.
Na cidade de Nova York, primeiro epicentro do
coronavírus no país, já é possível ir a academias de ginástica e ao
cinema. Em Los Angeles, restaurantes e museus foram autorizados a
receber o público na área interna.
Em Washington, reuniões de até 50 pessoas ao ar livre
passaram a ser permitidas e cerca de 5 mil fãs poderão assistir no
estádio do Nationals a abertura da temporada de beisebol. Tudo isso no
último mês, conforme o país aumentou o número de imunizados.
Pianista e maestro, Abdiel Vazquez, de 36 anos, estava
em um ensaio com uma orquestra em Flint, no Michigan, quando quarentenas
começaram a ser estabelecidas nos EUA, em 2020. Ele pegou um voo para
sua casa em Nova York e, desde então, nunca mais tocou para um público.
Depois de tomar as duas doses da vacina da Moderna em fevereiro, ele já
tem data para sua primeira viagem e também seu primeiro concerto, ainda
que sem plateia.
"Recebi um convite para tocar no México, onde nasci, em
uma apresentação que será gravada em vídeo com alguns cantores e
aceitei. Vejo a possibilidade de retomar os concertos, já me sinto
seguro para viajar e estar em ambientes com plateias pequenas", conta o
músico.
Mas coisas triviais também voltaram à rotina de Vazquez
e sua mulher, também vacinada em Nova York. Os dois passaram a jantar
fora. Desde o ano passado, a cidade permitiu a reabertura de
restaurantes com área ao ar livre.
O músico diz, no entanto, que toda saída era cercada de
medo e, por isso, pouco frequente. "A maior mudança é a paz que a
vacina traz. Eu tomo cuidados, uso máscaras, continuo a buscar o
distanciamento social em público, mas já é possível ver amigos e
finalmente ficar confortável em restaurantes", conta.
No México, a família do músico não conta com a mesma
tranquilidade. De todos os parentes de Vazquez que vivem no país vizinho
aos EUA, só o irmão, médico, já foi vacinado. "Fazer as coisas sem medo
é a mudança mais importante", diz.
Os EUA têm vacinado em média 2,8 milhões de pessoas por dia,
e o número é maior a cada semana. Em janeiro, quando Joe Biden tomou
posse, o país vacinava em média 900 mil moradores a cada 24 horas. A
previsão é que o ritmo aumente em abril, com a entrega de novos lotes
das vacinas pelas farmacêuticas Moderna, Pfizer e Johnson & Johnson,
e abertura de novos centros de vacinação em massa.
Pelas contas da Casa Branca, 90% dos adultos americanos
estarão elegíveis para receber a vacina até 19 de abril, antes da meta
de Biden de permitir a vacinação a qualquer um a partir de maio. Em 22
dos 50 Estados, a vacinação já está disponível para qualquer morador com
mais de 16 anos.
É comum ouvir a pergunta "você já foi vacinado?", em
conversas, independentemente da faixa etária. A resposta é muitas vezes
positiva, mesmo entre jovens. Quando negativa, vem seguida de uma
previsão de quando será possível receber a imunização.
"Desde que fui vacinado, sinto que corro muito menos
risco e estou mais esperançoso sobre o futuro", afirma o gerente de
recursos humanos Jonathan Gottfried, de 33 anos, que recebeu a primeira
dose da vacina há cerca de dez dias em Maryland. "Meus pais tiveram
covid-19 em março do ano passado e meu pai ficou hospitalizado por uma
semana. Os dois já tomaram duas doses da vacina e eu me senti muito
seguro em celebrar com eles o pessach (páscoa judaica) no fim de semana
passado", conta.
Gottfried sabe que ainda não completou o processo de
imunização contra covid-19, mas diz que se sente mais à vontade para ver
amigos que também foram vacinados e faz planos para o futuro que, até
pouco tempo atrás, pareciam impossíveis.
Em setembro, ele e a mulher irão como convidados a uma
festa de casamento e, em dezembro, planejam celebrar a própria cerimônia
adiada em razão da pandemia. Neste fim de semana, Gottfried pode se dar
o luxo de voltar a jogar futebol com amigos - com limitação de
participantes, sem público e com jogadores de máscaras.
Os EUA ainda estão distantes, no entanto, da sonhada
imunidade coletiva, que exige entre 70% e 80% da população vacinada. O
Estado com uma campanha de vacinação mais avançada, atualmente, é o Novo
México, onde pelo menos uma dose de imunizante já foi aplicada em 38%
dos residentes.
O relaxamento de restrições por parte de governos
locais em meio à sensação de melhora da situação sanitária tem deixado a
Casa Branca em alerta. Alguns Estados passaram a permitir que
estabelecimentos comerciais operassem com capacidade de lotação máxima e
derrubaram a determinação de uso de máscara, uma medida considerada
precipitada pelo governo federal.
A diretora do Centro de Controle de Doenças dos EUA, Rochelle Walensky, disse temer uma "desgraça iminente".
Novos casos
Após um pico de novos casos entre novembro e o início
de janeiro, período de festas de fim de ano e inverno, os EUA assistiam a
uma queda sustentada de infecções por covid-19 desde o início de
janeiro. Na última semana, no entanto, o número de novos casos começou a
subir, apesar de continuar distante dos piores dias no país.
A revogação de restrições parece irreversível. Mesmo
cidades onde o número de casos se mantém em patamar elevado, como Nova
York, têm flexibilizado as medidas conforme a vacinação avança. O apelo
atual é para que os americanos continuem a usar máscara, apesar da
vacinação, e evitem aglomerações.
Nesta semana, Biden pediu aos governos estaduais e
locais que mantenham ou restabeleçam a determinação para uso de máscaras
em lugares públicos. "Por favor, isso não é política. Restabeleçam as
ordens, caso tenham revogado", disse o presidente, após afirmar que a
batalha contra o vírus no país está "longe de estar ganha".
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.