O desmatamento na Amazônia cresceu cerca de 9,5% de agosto de 2019 a julho de 2020
em comparação com o período anterior, de 2018 a 2019. No total, foram
derrubados 11.088 km² de floresta nesse intervalo de tempo apesar da
presença do Exército na floresta, sob a Operação Verde Brasil 2.
Os dados consolidados do ano, divulgados nesta segunda-feira (30), são os primeiros totalmente sob responsabilidade do governo Jair Bolsonaro (sem partido) porque só englobam sua gestão.
A área desmatada é a maior da última década, segundo os dados
consolidados do Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na
Amazônia Legal por Satélite), do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais). O valor é provisório e o definitivo será apresentado somente
no ano que vem.
A divulgação contou com a participação do general Hamilton Mourão,
vice-presidente da República e chefe do Conselho da Amazônia, e de
Marcos Pontes, ministro da Ciência e Tecnologia. Ricardo Salles,
ministro do Meio Ambiente, não estava presente.
Na visita, Mourão e Pontes viram o Amazônia 1, novo satélite do Inpe
que está em reta final de desenvolvimento. Com o novo aparelho,
espera-se que evolua a capacidade de monitoramento da Amazônia do Inpe.
Segundo o instituto, ele segue para a Índia no fim de dezembro e deve
ser lançado em fevereiro de 2021.
Durante entrevista coletiva à imprensa, Mourão fez um discurso mais
duro em relação ao desmatamento do que as declarações tradicionalmente
feitas pelos integrantes do governo Bolsonaro.
"Não estamos aqui para comemorar nada disso, porque isso não é para
comemorar", afirmou o chefe do Conselho da Amazônia. Ele também disse
que o crescimento foi inferior ao que se esperava inicialmente e voltou a
repetir que o combate ao desmatamento ilegal em 2020 começou tarde.
"O resultado provisório do Prodes significa que nós temos que manter a
impulsão do nosso trabalho na busca constante para a redução dos
índices de desmatamento", disse Mourão. "É chegar o momento em que o
único desmatamento que ocorra na região da Amazônia seja aquele que
esteja compreendido pela nossa legislação. Ou seja, aquele de uma
propriedade que tenha direito a desmatar 20%, então é só esse
desmatamento que pode ocorrer".
O vice-presidente também fez aceno para as autoridades ambientais de
fiscalização, como o Ibama, que têm são alvos constante de críticas de
Bolsonaro desde a época da campanha presidencial. "Vamos prosseguir,
nesse nosso trabalho, usando ciência, usando a tecnologia, com inovação e
com isso apoiando os trabalhos das entidades responsáveis pela
fiscalização ambiental", disse.
O Prodes anterior, referente ao período de agosto de 2018 a julho de
2019, apontou um salto de 34% em relação ao ano anterior e um
desmatamento total de 10.129 km².
O Pará, estado que lidera o desmatamento, foi responsável por 46,8%
do desmate no bioma. Em seguida, aparecem o Mato Grosso, com 15,9%, e o
Amazonas, responsável por 13,7% da destruição no período.
A tendência de aumento do desmatamento na Amazônia teve início em
2012. Desde o início do governo Bolsonaro, porém, a destruição mantém
uma aceleração acentuada e preocupante.
O desmatamento recorde já estava no horizonte de pesquisadores da
área e servidores do Ibama, mas o valor total da área derrubada não foi,
de fato, tão alto quanto se esperava. Em todos os meses do período em
questão, com exceção de outubro, o sistema Deter, do Inpe, registrou
aumento do desmatamento em relação ao mesmo mês do ano anterior. Foram
14 meses seguidos de crescimento de destruição.
O Deter tem a função de fornecer dados que auxiliem na fiscalização
de crimes ambientais, mas pode também ser usado para verificar
tendências gerais de aumento ou diminuição de destruição. Já o Prodes,
de maior precisão, aponta os dados finais e consolidados.
Entre os dois últimos dados do Prodes, porém, houve uma mudança
importante: a presença quase contínua das Forças Armadas na Amazônia com
as Operações Verde Brasil, convocadas a partir de GLOs (Garantia da Lei
e da Ordem).
O Exército esteve presente na floresta por aproximadamente cinco dos
meses do Prodes atual (entre final de agosto e final de outubro de 2019,
e de maio a julho de 2020), atuando em campo na estação seca da
floresta, período que costuma ter mais desmatamento e queimadas.
O uso do Exército, que ainda está em ação na floresta para combater
atos ambientais ilícitos, é uma das únicas ações concretas do governo
Bolsonaro que visam frear o desmatamento, mas a tática não trouxe
resultados satisfatórios até o momento, apesar de declarações recentes
no sentido contrário do general Mourão.
Na apresentação dos resultados do Prodes, o vice-presidente voltou a
afirmar que, após o início do trabalho do Exército na Amazônia neste
ano, percebeu-se o início de uma tendência de queda. Os dados, porém,
não embasam a fala de Mourão.
A derrubada da mata na Amazônia é acompanhada por um crescimento das
queimadas na região. Até 22 de outubro deste ano, os focos de calor
registrados no bioma superaram o total de 2019.
Mesmo com os dados de crimes ambientais em alta, Bolsonaro e membros
do seu governo têm minimizado os problemas e tentado empurrá-los para os
ombros de outras nações. Recentemente, o presidente ameaçou nomear os
países que compram madeira proveninente de desmate ilegal no país, mas o
principal motor da devastação da floresta é o agronegócio. O presidente
recuou em seguida.
Há também uma tentativa de controlar a narrativa que cerca a floresta
amazônica. Recentemente, Mourão promoveu uma viagem com embaixadores
pelo bioma para tentar mudar a visão estrangeira quanto à gestão atual. O
tour do vice-presidente, porém, evitou áreas críticas onde se concentra
a destruição, como apontou a embaixadora interina do Reino Unido no
Brasil.
Em entrevista à Deutsche Welle, o embaixador da Alemanha no Brasil,
Heiko Thoms, afirmou que sua percepção não foi alterada. "O governo
[brasileiro] está informado sobre o desmatamento e os incêndios, sobre
onde estão e quão grande é o problema. Há instrumentos para combater. E
há órgãos governamentais muito bons. Mas esses instrumentos precisam ser
utilizados, e de uma maneira coerente. Para isso, você precisa de um
plano de ação de longo prazo, com medidas concretas, cronogramas e metas
numéricas. Isso não existe no momento", disse Thoms.
A devastação da Amazônia já tem resultado em ameaças econômicas ao
país, inclusive com relação ao acordo entre Mercosul e União Europeia, e
pode ser um ponto de atrito entre Bolsonaro e Joe Biden, presidente
eleito dos EUA que toma posse em janeiro de 2021.
Repercussão
Em nota, o Observatório do Clima, entidade que conta com a
participação de mais de 50 ONGs, afirma que o dado divulgado nesta
segunda não é surpreendente "para quem acompanha o desmonte das
políticas ambientais no Brasil desde janeiro de 2019".
O Observatório também afirma que a taxa de desmate alcançada
"oficializa que o Brasil descumpriu a meta da Política Nacional sobre
Mudança do Clima (PNMC), a lei nacional que preconizava uma redução da
taxa a um máximo de 3.925 km² em 2020. O país está 180% acima da meta, o
que o põe numa posição de desvantagem para cumprir seu compromisso no
Acordo de Paris".
Na mesma nota, Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório
do Clima, diz: "Estamos perdendo acordos comerciais, transformando nosso
soft power literalmente em fumaça e aumentando nosso isolamento
internacional num momento em que o mundo entra num realinhamento crítico
em relação ao combate à crise do clima".
Também em nota, Cristiane Mazzetti, porta-voz de Amazônia da ONG
Greenpeace Brasil, afirma que "perdemos uma área de 7,29 vezes o tamanho
da cidade de São Paulo no ano considerado pelo Prodes". A ONG associa o
crescimento ao "desmonte dos órgãos" e a "políticas antiambientais".
Segundo a ONG WWF-Brasil, o novo aumento ocorre por causa da
"sensação de impunidade", evidenciada pelos baixos números de
penalidades por desmatamento ilegal registrados em 2019 e 2020.
"O claro foco em agropecuária e mineração são mais uma evidência de
que a estratégia do atual governo se baseia no modelo de desenvolvimento
da década de 1970, quando a noção de bioeconomia sequer existia",
afirma, na nota, Mariana Napolitano, gerente de ciências do WWF-Brasil.
DN