Até 2020 a depressão será a doença mais incapacitante do mundo. A 
projeção é da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgada em relatório
 em 2017. Se o alerta parece grave, mais desolador ainda é a comprovação
 cotidiana desta estimativa. Bem sabem as pessoas que sofrem com a 
depressão. A doença psiquiátrica crônica, em nível grave, tem efeito 
devastador.
Para se ter ideia, no Ceará, somente em 2018, o Instituto Nacional do
 Seguro Social (INSS) concedeu quatro auxílio-doença por dia, para 
pessoas que não tinham condições de continuar trabalhando devido à 
depressão. Um total de 1.741 auxílios no ano, que evidencia um aumento 
de 38,6% se comparado aos índices registrados em 2017.
O trabalho, embora nem sempre seja o fator responsável por 
desencadear o problema, muitas vezes acentua o quadro depressivo. Diante
 disso, a vida dos trabalhadores fica paralisada e a atividade laboral 
comprometida. A assistente administrativa Laura (nome fictício pois ela 
preferiu não ser identificada), por, pelo menos, dois anos e meio sofreu
 com crises intensas de depressão e precisou se afastar do almejado 
emprego. O quadro grave, conta, teve início quando ela passou em um 
concurso e ingressou no atual trabalho.
Na época, Laura desenvolvia, em paralelo, uma pesquisa de mestrado 
sobre a instituição na qual começou a trabalhar. "Eu fazia pesquisa e 
tinha uma visão muito ideológica de tudo. Quando comecei a trabalhar, vi
 que a realidade era outra. Havia muita disputa de poder, pessoas 
disputando cargos, confrontos dentro da Instituição que tinha ideal de 
cooperação. Isso me desestabilizou muito. Comecei a ter dificuldade de 
fazer separação entre o pessoal, profissional e o que eu imaginava. Isso
 me deprimia", relembra.
Laura diz ainda que, embora tenha procurado tratamento psiquiátrico, 
resistia à medicação. Enquanto isso, no trabalho, não conseguia sequer 
lembrar de realizar as atividades nas quais era responsável. Ela 
precisou tirar uma licença médica e ficou afastada.
Quando retornou, Laura ainda não tinha melhorado. Somente quanto foi 
mudada de setor pela segunda vez, após expedição de laudo médico 
atestando a necessidade deste procedimento, é que a realidade começou a 
se transformar. "Eu comecei a observar o ambiente e comecei a perceber 
que o mundo não gira em torno de mim. Foi aí que fui melhorando e aos 
poucos as coisas foram ficando melhores. Hoje posso dizer que estou 
bem", reforça.
No Ceará, a concessão de auxílios-doença nos dois primeiros meses 
deste ano, em decorrência de quadros depressivos, chegou a uma média de 
cinco por dia. Em Fortaleza, foram 156 auxílios-doença entre janeiro e 
fevereiro concedidos por conta de depressão.
A psicóloga e integrante do Núcleo de Psicologia do Trabalho da 
Universidade Federal de Fortaleza (UFC), Eveline Nogueira, explica que 
"a relação entre casos de afastamento laboral e saúde/doença mental não é
 nova, mas essa discussão vem ganhando força devido ao maior surgimento 
de casos na atualidade". Isto, na avaliação de Eveline, se deve também a
 um olhar mais cuidadoso da sociedade para adoecimentos nessa esfera. 
Antes, menos visível, a doença mental era colocado como "fragilidade 
pessoal" ou "falta de força de vontade".
O estado depressivo, explica a psicóloga, se constitui como um 
adoecimento incapacitante para o trabalho, na medida em que "impede que o
 sujeito desenvolva aquela atividade da maneira habitual".
Sinais
Segundo Eveline, é uma situação muitas vezes silenciosa e invisível, 
que merece olhar mais atento. "A depressão nem sempre vai se traduz no 
colega de trabalho que está triste. A tristeza é um sentimento comum e 
absolutamente compreensível, pelo qual todos passamos. É preciso estar 
atento, porém, para a duração e para a intensidade dessa tristeza. Se 
ela é persistente e duradoura e se impacta de forma importante nas 
atividades diárias cotidianas, como o caso do trabalho, é importante 
investigar melhor e procurar um profissional adequado", explica.
A psicóloga esclarece ainda que a depressão se alastra por diversas 
áreas ou atividades, muito embora os trabalhos que têm maiores 
exigências cognitivas e psíquicas impactam de forma mais intensa na 
saúde mental. "Fatores como uma maior insegurança relacionada ao 
trabalho, o desemprego, a baixa remuneração, a falta de perspectiva de 
vida a longo prazo, a retirada de direitos e garantias de alguns 
setores, tudo isso agrava quadros patológicos", acrescenta.
O presidente do Conselho Regional de Psicologia, Diego Mendonça, 
indica que na relação entre adoecimento psíquico e trabalho, muitas 
vezes, na avaliação ocupacional do trabalhador há dificuldade de se 
fechar o chamado nexo causal, que é a comprovação que a depressão 
provocou outro adoecimento que, de fato, afasta a pessoa do trabalho.
A integrante do Núcleo de Psicologia do Trabalho da UFC, Eveline 
Nogueira, acrescenta que, além da depressão, há outros quadros 
patológicos relacionados ao adoecimento dos trabalhadores, como 
ansiedade e o burnout (síndrome caracterizado pelo estado de tensão 
emocional e estresse). Para todos esses casos, indica ela, é importante 
uma ampla e completa avaliação por profissionais adequados.
A opinião é reiterada por Diego Mendonça. Ele alerta para a 
necessidade de uso de diversos recursos terapêuticos para a recuperação.
 "A depressão é uma doença de manejo difícil e a gente precisa cuidar 
não só de quem está doente, mas também da sociedade que nos adoece. A 
recuperação em saúde mental não é fórmula matemática. As pessoas têm 
recaídas e quanto mais recurso tiver, menor a quantidade de recaídas", 
pontua.
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