Em homenagem ao Dia da Mulher, 8 de
Março, publicamos reportagem especial em reconhecimento ao trabalho
realizado pelas mulheres no Judiciário cearense, especificamente o
desenvolvido pela Vara de Custódia de Fortaleza
Enfrentar a Justiça depois de cometer um crime não é um caminho
fácil. Encontrar, todos os dias, pessoas com os mais variados rostos,
histórias e motivações também é difícil. De um lado, estão os detidos.
Do outro, mulheres da Justiça. Não somente elas, mas elas estão lá, no
atendimento da porta de entrada do sistema prisional. É na Vara de
Audiências de Custódia de Fortaleza. Clique AQUI para ver o vídeo.
A subtenente Cláudia Carmo trabalha na unidade há dois anos. Lá,
recebe os presos, separa eles por celas e também consegue um tempo para
conversar com a nossa equipe. “Muitos deles aqui me chamam de tia. Eu
acho que é uma questão de confiança. E sempre que eu posso, dou
conselhos. Outro dia, encontrei um no terminal, estava lá vendendo os
bombonzinhos dele. Aproximou-se e perguntou: ‘a senhora lembra de mim? A
senhora me deu conselho’. E eu, de novo, aconselhei: ‘estude, você é
novo, você teve a oportunidade de estar livre e precisa aproveitar da
melhor forma’”.
audiência de custódia possibilita a toda pessoa presa ser apresentada
ao sistema de Justiça em até 24 horas do auto de prisão em flagrante. “É
uma das audiências mais importantes do processo criminal. É o primeiro
contato da pessoa presa com o juiz e a unidade judiciária, dentro de um
ambiente de diálogo, na presença da defesa técnica e do Ministério
Público. Anteriormente, a decisão de ficar preso ou não era feita tão
somente com base em procedimento unilateral vindo da delegacia.
Atualmente, o juiz consegue ouvir todos os lados, escutar o preso,
colhendo mais elementos para uma decisão mais segura”, explica a juíza
coordenadora da Vara de Audiências de Custódia, Flávia Setúbal.
A magistrada se une a outras mulheres do sistema de Justiça, como a
Defensoria Pública, representada pela defensora Fernanda Rossi, e o
Ministério Público, com a promotora Danielle Porto. “Tivemos um caso
recentemente de violência sexual que, por ser mulher, acredito que tenha
tido um olhar diferenciado. É mais impactante do que talvez seria para
um homem. Ela, na verdade, denunciou perseguição e agressão verbal, mas
acabou falando sobre uma violência sexual anterior. Aí, eu me coloquei
como mulher nesse caso, a posição feminina pesou um pouco”, pontua a
promotora.
Além do olhar sensível, uma maior atenção com detalhes. A juíza conta
que recentemente teve audiência sobre um mandado de prisão em aberto.
“Era uma audiência em tese muito simples, porque o mandado vinha de
outro estado. Mas, no final, o preso olhou para mim e disse: ‘doutora,
eu nunca estive em Alagoas’. Todas as informações eram dele, mas aquilo
me tocou. E eu fui atrás, liguei para o magistrado de Alagoas e lá
descobri que era mandado errôneo. Na mesma tarde, saiu a decisão e o
alvará de soltura foi expedido. Acredito que essa atenção, esse detalhe,
tem muito a ver com a natureza do ser mulher.” A magistrada conclui:
“Não é fácil, a gente se acostuma, tem um volume alto, mas envolve muita
sensibilidade. Você responder a um processo em liberdade ou preso, faz
toda a diferença.”
Somente em 2022, 5.099 audiências foram realizadas pela equipe. Entre as
medidas, foram determinadas 1.529 prisões preventivas; 12 prisões
domiciliares; 2.103 alvarás com medidas cautelares; 13 sem medidas
cautelares; 16 relaxamentos de prisão e 670 monitoramentos eletrônicos.
Até fevereiro deste ano, a Vara tinha à frente a juíza Adriana Dantas,
que está atuando como juíza convocada pelo Tribunal de Justiça do Ceará
(TJCE). Também compõe a equipe a estagiária Letícia Damasceno.
Essa visão e a sensibilidade feminina têm se mostrado em importantes
papéis de liderança no Judiciário cearense. Além da Vara de Custódia, o
Fórum Clóvis Beviláqua tem à frente uma juíza, Solange Menezes. No TJCE,
comissões e núcleos são geridos por mulheres, além de, na
Corregedoria-Geral da Justiça do Estado, o cargo ser ocupado também por
uma mulher.
Esse histórico de liderança e pioneirismo na Justiça cearense remonta
à década de 1930, quando Auri Moura Costa foi a primeira mulher a
ocupar a função de juíza no Brasil. Natural de Redenção, ingressou na
magistratura em 1939. Passou por Várzea Alegre, Cedro, Canindé,
Maranguape e Crato até chegar a Fortaleza. Em 1968, tornou-se a primeira
desembargadora do TJCE.
De lá para cá, três magistradas assumiram o cargo de presidente do
Tribunal de Justiça do Ceará. A primeira foi a desembargadora Águeda
Passos (1999/2001), depois a desembargadora Iracema Vale (2015/2017) e,
mais recentemente, a desembargadora Maria Nailde Pinheiro Nogueira
(2021/2023).
Atualmente,
segundo dados da Secretaria de Gestão de Pessoas do Tribunal, do total
de 421 juízes que trabalham na Justiça estadual, 150 são mulheres, e dos
52 desembargadores em atividade, 20 são desembargadoras.
Em
junho do ano passado, o TJCE criou o Repositório Online de Mulheres
Juristas, com a proposta de reunir desembargadoras, juízas, servidoras
efetivas ou exclusivamente comissionadas. O objetivo é concentrar dados
de mulheres juristas com expertise nas diferentes áreas do Direito. Os
dados integrarão o Repositório Online Nacional do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ). A medida está em conformidade com a Resolução nº 418/2021
do CNJ, que considera a necessidade de promover ações para o incremento
da participação feminina no âmbito do Poder Judiciário, sobretudo em
eventos institucionais, citações de obras jurídicas de referência e em
comissões de concurso e bancas examinadoras. Além disso, integra o
projeto de Lideranças Femininas do Programa de Modernização do
Judiciário (Promojud).
Para marcar a data no Judiciário cearense, o Tribunal de Justiça do
Ceará está com ampla programação ao longo do mês de março que inclui a
exposição “Reveladas – As mulheres da Justiça em 1º plano”,
produzida pela Assessoria de Comunicação Social do Tribunal, feira de
artesanato com itens produzidos por mulheres em situação de
vulnerabilidade social e palestras envolvendo a temática mulher, entre
outras atividades.
fonte: TJCE