quarta-feira, 8 de março de 2023

O olhar sensível de quem faz Justiça

 

Em homenagem ao Dia da Mulher, 8 de Março, publicamos reportagem especial em reconhecimento ao trabalho realizado pelas mulheres no Judiciário cearense, especificamente o desenvolvido pela Vara de Custódia de Fortaleza

Enfrentar a Justiça depois de cometer um crime não é um caminho fácil. Encontrar, todos os dias, pessoas com os mais variados rostos, histórias e motivações também é difícil. De um lado, estão os detidos. Do outro, mulheres da Justiça. Não somente elas, mas elas estão lá, no atendimento da porta de entrada do sistema prisional. É na Vara de Audiências de Custódia de Fortaleza. Clique AQUI para ver o vídeo.

A subtenente Cláudia Carmo trabalha na unidade há dois anos. Lá, recebe os presos, separa eles por celas e também consegue um tempo para conversar com a nossa equipe. “Muitos deles aqui me chamam de tia. Eu acho que é uma questão de confiança. E sempre que eu posso, dou conselhos. Outro dia, encontrei um no terminal, estava lá vendendo os bombonzinhos dele. Aproximou-se e perguntou: ‘a senhora lembra de mim? A senhora me deu conselho’. E eu, de novo, aconselhei: ‘estude, você é novo, você teve a oportunidade de estar livre e precisa aproveitar da melhor forma’”.

audiência de custódia possibilita a toda pessoa presa ser apresentada ao sistema de Justiça em até 24 horas do auto de prisão em flagrante. “É uma das audiências mais importantes do processo criminal. É o primeiro contato da pessoa presa com o juiz e a unidade judiciária, dentro de um ambiente de diálogo, na presença da defesa técnica e do Ministério Público. Anteriormente, a decisão de ficar preso ou não era feita tão somente com base em procedimento unilateral vindo da delegacia. Atualmente, o juiz consegue ouvir todos os lados, escutar o preso, colhendo mais elementos para uma decisão mais segura”, explica a juíza coordenadora da Vara de Audiências de Custódia, Flávia Setúbal.

A magistrada se une a outras mulheres do sistema de Justiça, como a Defensoria Pública, representada pela defensora Fernanda Rossi, e o Ministério Público, com a promotora Danielle Porto. “Tivemos um caso recentemente de violência sexual que, por ser mulher, acredito que tenha tido um olhar diferenciado. É mais impactante do que talvez seria para um homem. Ela, na verdade, denunciou perseguição e agressão verbal, mas acabou falando sobre uma violência sexual anterior. Aí, eu me coloquei como mulher nesse caso, a posição feminina pesou um pouco”, pontua a promotora.

Além do olhar sensível, uma maior atenção com detalhes. A juíza conta que recentemente teve audiência sobre um mandado de prisão em aberto. “Era uma audiência em tese muito simples, porque o mandado vinha de outro estado. Mas, no final, o preso olhou para mim e disse: ‘doutora, eu nunca estive em Alagoas’. Todas as informações eram dele, mas aquilo me tocou. E eu fui atrás, liguei para o magistrado de Alagoas e lá descobri que era mandado errôneo. Na mesma tarde, saiu a decisão e o alvará de soltura foi expedido. Acredito que essa atenção, esse detalhe, tem muito a ver com a natureza do ser mulher.” A magistrada conclui: “Não é fácil, a gente se acostuma, tem um volume alto, mas envolve muita sensibilidade. Você responder a um processo em liberdade ou preso, faz toda a diferença.”

 Somente em 2022, 5.099 audiências foram realizadas pela equipe. Entre as medidas, foram determinadas 1.529 prisões preventivas; 12 prisões domiciliares; 2.103 alvarás com medidas cautelares; 13 sem medidas cautelares; 16 relaxamentos de prisão e 670 monitoramentos eletrônicos. Até fevereiro deste ano, a Vara tinha à frente a juíza Adriana Dantas, que está atuando como juíza convocada pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). Também compõe a equipe a estagiária Letícia Damasceno.

Essa visão e a sensibilidade feminina têm se mostrado em importantes papéis de liderança no Judiciário cearense. Além da Vara de Custódia, o Fórum Clóvis Beviláqua tem à frente uma juíza, Solange Menezes. No TJCE, comissões e núcleos são geridos por mulheres, além de, na Corregedoria-Geral da Justiça do Estado, o cargo ser ocupado também por uma mulher.

Esse histórico de liderança e pioneirismo na Justiça cearense remonta à década de 1930, quando Auri Moura Costa foi a primeira mulher a ocupar a função de juíza no Brasil. Natural de Redenção, ingressou na magistratura em 1939. Passou por Várzea Alegre, Cedro, Canindé, Maranguape e Crato até chegar a Fortaleza. Em 1968, tornou-se a primeira desembargadora do TJCE.

De lá para cá, três magistradas assumiram o cargo de presidente do Tribunal de Justiça do Ceará. A primeira foi a desembargadora Águeda Passos (1999/2001), depois a desembargadora Iracema Vale (2015/2017) e, mais recentemente, a desembargadora Maria Nailde Pinheiro Nogueira (2021/2023).

Atualmente, segundo dados da Secretaria de Gestão de Pessoas do Tribunal, do total de 421 juízes que trabalham na Justiça estadual, 150 são mulheres, e dos 52 desembargadores em atividade, 20 são desembargadoras.

 Em junho do ano passado, o TJCE criou o Repositório Online de Mulheres Juristas, com a proposta de reunir desembargadoras, juízas, servidoras efetivas ou exclusivamente comissionadas. O objetivo é concentrar dados de mulheres juristas com expertise nas diferentes áreas do Direito. Os dados integrarão o Repositório Online Nacional do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A medida está em conformidade com a Resolução nº 418/2021 do CNJ, que considera a necessidade de promover ações para o incremento da participação feminina no âmbito do Poder Judiciário, sobretudo em eventos institucionais, citações de obras jurídicas de referência e em comissões de concurso e bancas examinadoras. Além disso, integra o projeto de Lideranças Femininas do Programa de Modernização do Judiciário (Promojud).

Para marcar a data no Judiciário cearense, o Tribunal de Justiça do Ceará está com ampla programação ao longo do mês de março que inclui a exposição  “Reveladas – As mulheres da Justiça em 1º plano”, produzida pela Assessoria de Comunicação Social do Tribunal, feira de artesanato com itens produzidos por mulheres em situação de vulnerabilidade social e palestras envolvendo a temática mulher, entre outras atividades.


fonte: TJCE

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