Para passar de cidadão comum a policial militar, é necessário cumprir cinco etapas de concurso público: prova objetiva, inspeção de saúde, avaliações física e psicológica e investigação social. Isso em tese. Só nos últimos três meses, cerca de 400 pessoas conseguiram entrar na PM mesmo reprovadas durante uma das etapas. Elas conseguiram liminares concedidas por três desembargadores do Tribunal de Justiça (TJ-CE). As informações são da Procuradoria Geral do Estado (PGE), que recorreu das decisões.
Embora admita exceções, o Núcleo de Concurso Público da PGE argumenta que as liminares têm permitido a incorporação de cidadãos com perfil indesejado. De acordo com o órgão, acusados por desacato, roubo e homicídio hoje estão em pleno exercício no Ronda do Quarteirão.
O POVO identificou, ainda, em pesquisas nos diários oficiais de 9 e 24 de junho de 2010, o caso de uma candidata considerada inapta na avaliação física e de um concorrente reprovado na avaliação psicológica – ambos no concurso de 2008 – que conseguiram, este ano, entrar na PM por liminar, sem cumprir as outras etapas do processo seletivo.
O POVO não teve acesso à totalidade dos processos, mas a PGE sustenta que todos eles, referentes aos aproximadamente 400 candidatos, foram apresentados pelo mesmo advogado - José Joaquim Mateus Pereira. E todas as liminares foram deferidas por apenas três dos 43 desembargadores do TJ: Váldsen Alves Pereira, José Mario dos Martins Coelho e Manoel Cefas Fonteles.
A Procuradoria questiona o fato de um mesmo processo incluir cerca de 30 concorrentes reprovados, pela ferramenta jurídica chamada litisconsórcio. O problema para a PGE é que, dessa forma, a mesma liminar beneficia pessoas em situações diferentes – do reprovado por nota àquele que foi barrado na fase de investigação social.
Outra estratégia usada por Pereira causa estranhamento ao órgão. Segundo o Núcleo de Concurso Público, o advogado entra na Justiça por mandado de segurança e, no meio da tramitação, o converte em ação cautelar. Segundo a PGE, tais ações acabam indo parar sempre nas mãos de um dos três desembargadores.
Pereira rebateu a PGE e afirmou que o governo tem cometido equívocos ao “reprovar em massa” os candidatos. Para ele, há descumprimento do edital ao não se convocar para fases seguintes os concorrentes que, embora classificados na rabeira, conseguem atingir a nota mínima prevista.
O advogado argumentou, ainda, que a decisão de juntar vários casos em um mesmo processo é uma forma legal de dar celeridade ao trâmite.
O quê
ENTENDA A NOTÍCIA
A qualificação da Polícia é um dos problemas centrais da área de segurança pública. Governo diz que gente sem perfil exigido está sendo posta para dentro. Advogado diz que direitos estavam sendo descumpridos.
Conflito de versões
Entrada de reprovados
O que diz a PGE: liminares comprometem a qualidade da Polícia, com a entrada de pessoas sem qualificação necessária.
O que diz o advogado: as liminares servem para consertar a suposta injustiça cometida pelo Estado, que estaria reprovando em massa e descumprindo pontos dos editais.
Investigação social
O que diz a PGE: por meio das liminares, há na PM uma série de agentes com ficha suja, que respondem ou responderam por crimes como homicídio e roubo.
O que diz o advogado: pelo princípio da presunção de inocência, ninguém pode ser considerado culpado até ser julgado em última instância.
Inaptidão psicológica
O que diz a PGE: candidatos considerados inaptos na avaliação psicológica estão com arma em punho em exercício.
O que diz o advogado: a avaliação psicológica é subjetiva e os candidatos desclassificados nessa etapa sequer teriam direito de saber o porquê da reprovação.
Colocação insatisfatória
O que diz a PGE: concorrentes que ficaram em posições abaixo da vigésima milésima conseguiram entrar na PM por liminar. Os editais determinam colocação mínima para convocação.
O que diz o advogado: um dos pontos do edital deixa claro que só podem ser eliminados aqueles que não alcançarem a pontuação mínima, independentemente da classificação.
Processos antigos
O que diz a PGE: embora o último concurso tenha sido realizado em 2008, a PGE aponta que o advogado entrou com ações em 2011 e conseguiu emplacar candidatos sem que estes tenham cumprido etapas posteriores da seleção. O POVO teve acesso a um exemplo.
O que diz o advogado: os processos referentes ao concurso de 2008 foram apresentados ainda em 2008, com pedido de liminar para que os concorrentes tivessem o direito de seguir no processo seletivo – e não de entrar diretamente na PM.