Índios Tapeba, do município de Caucaia, fecharam dois pontos da BR-222, na manhã desta sexta-feira, 10, em protesto contra reintegração de posse de terreno por parte de construtoras. O território foi delimitado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) como tradicionalmente indígena no fim de agosto de 2013, mas decisão judicial da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região determina desocupação a partir desta semana.
Os indígenas fazem concentração nos dois lados do quilômetro 13 da rodovia e na rua Letícia Marques Cavalcante. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) orienta aos motoristas que seguem no sentido Fortaleza-Sobral o acesso pela rodovia estadual. Quem trafega no sentido Sobral-Fortaleza também deve evitar a BR-222, indo pela rodovia Estruturante.
Equipes da PRF acompanham o protesto e fazem interdições nos quilômetros 11 e 18 para evitar congestionamento. A manifestação conta com cerca de 300 pessoas, de acordo com o movimento indígena, das tribos Tapeba (Caucaia), Tremembé (Itapipoca), Potiguar (Monsenhor Tabosa) e Anacé (Caucaia).
"A terra é tradicionalmente ocupada, reconhecemos que é nossa, mas o setor imobiliário diz que é dele. Sentimos uma indignação grande, pois é como se você estivesse na sua casa e alguém chegasse dizendo que não é sua", afirma Cassimiro Itapeba, uma liderança da juventude da tribo.
Os tapebas dizem que cerca de 60 famílias ocupam o território que é alvo do pedido de reintegração, acolhido pela Justiça no último dia 8 de novembro e movido por duas construtoras.
O pedido de reintegração de posse é movido pela STG Construções Imobiliária Ltda e Cabatan Incorporadora SPE Ltda. O advogado da Cabatan (que recebeu o imóvel da STG), Leonardo Pitombeira, apresentou ao O POVO Online documentação da propriedade do terreno.
Segundo Pitombeira, a STG possui título de propriedade do terreno "pelo menos desde 1960", e os donos foram surpreendidos com a inclusão da área na demilitação da Funai, em 2013. "Nós não somos posseiros, somos proprietários, então não existe qualquer justificativa para eles dizerem que tem alguma propriedade sobre o imóvel. A matrícula não tem qualquer inclusão ou menção a índios", frisa.
Nesta manhã, os tapebas buscaram chamar atenção da sociedade para a "ameaça do setor imobiliário", conforme Cassimiro. "Queremos uma audiência com o governador (Camilo Santana). Essa situação está muito complicada", diz.
Renato Tupiniquim, que também participa do ato, acrescentou que os tapebas buscam a demarcação do território. "O que acontece hoje é que o povo Tapeba está garantido apenas através de delimitação. O juiz deu liminar para um posseiro, quando as terras sempre foram da tribo", completa.
A Defensoria Pública da União (DPU) informou que acompanha o caso e intercede para evitar violência na região, onde os tapebas vivem da agricultura de subsistência.
Contestação
O advogado que representa as empresas, Leonardo Pitombeira, diz que desde 2013 contesta administrativamente a decisão da Funai. Segundo ele, o terreno não estava incluído tanto na primeira delimitação da Funai, de 1997, quanto na segunda, de 2006. "Foi incluído na terceira sem nenhuma justificativa e sem qualquer vínculo com o índios", frisa.
A DPU informou que esse local foi "ocupado" em julho de 2016 por cerca de 80 famílias, enquanto o advogado fala em apenas três famílias e diz que o terreno foi "invadido".
As três famílias citadas pelo advogado, segundo ele, "não estão desamparadas ou desalojadas". "Essas três famílias têm propriedade no terreno detrás do imóvel. Então, não é uma questão de necessidade. Eles não precisam, o que está havendo é uma especulação", disse Pitombeira.
Para o advogado, a determinação da reintegração de posse foi concedida porque não havia discussão sobre a titularidade do imóvel. "Os índios nunca chegaram a ter sequer indisposição com os proprietários desse imóvel. Foi de supetão que houve essa invasão", continua.
Em nota, a DPU informou que participou de reunião realizada pelo juiz da 3ª Vara da Justiça Federal da Seção Judiciária do Ceará, com os indígenas, no dia 13 de dezembro. O órgão declarou que foi estabelecido prazo de 15 dias úteis para a desocupação voluntária, o qual foi estendido para o próximo dia 13 de fevereiro devido ao recesso do Judiciário.
Agora, de acordo com o advogado das empresas, cabe ao juiz se manifestar sobre as medidas coercitivas para a reintegração de posse. Apesar disso, ele explica que aguarda o provimento de recurso administrativo junto à Funai.
A reportagem procurou a Casa Civil sobre a reunião solicitada pelos tapebas. Em nota, a assessoria de comunicação da Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA) informou que a "delimitação do território indígena não é da competência jurídica do Governo do Estado (CF., art. 231), cabendo aos órgãos do Estado tão somente acompanhar as decisões do Ministério Público Federal (MPF) e da Funai e prestar apoio técnico, como elaboração de relatório de georreferenciamento e de delimitação de poligonal".
A SDA divulga que está ciente do conflito e, em parceria com a Coordenadoria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Ceppir) e Coordenadoria Especial de Políticas Públicas dos Direitos Humanos, está envolvida na mediação de um acordo. "A SDA, por meio do Instituto de Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), se posiciona a favor do diálogo e aguarda a determinação do Tribunal Regional Federal da 5a Região (TRF-5) sobre a questão, dispondo-se a contribuir tecnicamente, uma vez sendo provocada pelos órgãos competentes".
Demarcação
A Funai respondeu, por meio de assessoria de imprensa, que entrou com recurso de Embargos de Declaração junto ao TRF e disse que analisa outras medidas judiciais cabíveis. Em nota, a Funai declarou que a “luta dos tapebas pelo reconhecimento de seu território tradicional tem mais de 30 anos, considerando como marco inicial a primeira identificação feita pela Funai, em 1986”.
De acordo com a fundação, uma série “de entraves jurídicos e de atropelos administrativos” impossibilitou a regularização da área. “Os estudos da Terra Indígena Tapeba foram aprovados pela Presidência do órgão e publicados no Diário Oficial da União, em 27/08/2013. Como determina o Decreto nº 1775/96, o passo seguinte é a expedição de Portaria Declaratória pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública”, frisa a Funai.
A terra indígena delimitada, de acordo com a Funai, teve estudos concluídos e aprovados, com posterior publicação no Diário Oficial da União. Uma terra indígena demarcada significa que, após aprovação dos estudos pela Funai, houve aprovação pelo Ministério da Justiça e, por meio de uma Portaria Declaratória publicada no Diário Oficial da União, foram declarados os limites daquela terra.
A defensora regional de Direitos Humanos da DPU/CE, Lídia Ribeiro, foi procurada nesta manhã, mas estava em reunião. A assessoria de imprensa da Funai, após pedido de entrevista com o presidente do órgão, informou que ele está viajando a serviço e não poderia atender.
AMANDA ARAÚJO