O processo para obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) é
longo e rigoroso: exames físicos e psicológicos antecedem aulas e prova
teórica sobre legislação de trânsito para, só então, o candidato acessar
o veículo nas aulas e testes práticos. Um erro no caminho e pode ser
necessário voltar algumas casas no tabuleiro burocrático. Apesar de todo
o rigor, a imprudência dos condutores pode invalidar todo o processo:
entre 2016 e o ano passado, 9.336 habilitações foram suspensas no Ceará,
o que corresponde a 260 carteiras por mês. Ao todo, 2.517 condutores
precisaram ser 'reciclados'.
A suspensão do direito de dirigir - ou seja, quando o condutor
precisa entregar a CNH ao Departamento Estadual de Trânsito (Detran)
pelo tempo determinado de acordo com a infração - é prevista como
possível penalidade para 12 tipos de infrações gravíssimas ao Código
Brasileiro de Trânsito (CTB). Além disso, a medida é aplicada em caso de
acúmulo de 20 pontos na CNH no período de 12 meses.
Entretanto, a pontuação permitida pode dobrar se for aprovado no
Congresso o projeto de lei do presidente Jair Bolsonaro entregue no
início do mês à Câmara dos Deputados.
De acordo com o gerente do Núcleo de Prontuário de Habilitação do
Detran/CE, Rodolfo Ribeiro, considerando os atuais 20 pontos de 'teto', o
tempo de suspensão "varia de 6 a 12 meses", a depender da infração
cometida. As principais razões que levam o motorista a perder
provisoriamente o direito de dirigir, aponta, são conduzir sob efeito de
álcool ou psicoativos, recusar fazer o teste do bafômetro, e pilotar
motocicleta sem capacete, seja o condutor ou o "garupeiro". Todas são
gravíssimas, com penalidade de multa e recolhimento da habilitação.
Reciclagem
Outro motivo também frequente, de acordo com Rodolfo, é o acúmulo de
infrações pelo condutor em um ano, gerando suspensão da CNH por
pontuação. "O uso constante de celular e trafegar em alta velocidade são
dois dos fatores mais importantes para o acúmulo desses pontos. O
número de processos de suspensão por esse motivo tem crescido muito. O
aumento da fiscalização, mais agentes nas ruas e mais câmeras de
monitoramento contribuem para isso", afirma.
Ao ter a carteira suspensa, o condutor precisa se deslocar ao órgão
de trânsito e entregar a CNH. "A partir daí, fica liberada a realização
do curso de reciclagem. Em alguns casos, o condutor é obrigado por ordem
judicial, por múltiplos motivos. De todo modo, o curso é obrigatório
para recuperar o documento", explica o gerente. O curso tem duração de
30 horas e aborda assuntos como legislação, meio ambiente e relações
interpessoais. O processo é conduzido por autoescolas, com valor de R$
200 a R$ 300.
Em 2016, cerca de 780 motoristas e motociclistas precisaram passar
pelo processo de reciclagem, número que saltou para 831, em 2017, e 906
no ano passado, aumento de 16% no período - gerando uma média de 70
condutores por mês precisando renovar os conhecimentos sobre legislação e
trânsito seguro.
Se tiver a CNH suspensa e for flagrado dirigindo, o condutor perderá
definitivamente o documento, sendo necessário cumprir o tempo da
suspensão e esperar mais dois anos para reiniciar todo o processo
(autoescola, aulas etc.) do zero. Outros motivos para ter a habilitação
cassada são reincidência em infrações que prevejam suspensão e a
condenação por crime de trânsito.
O projeto de lei do Governo Federal, que prevê alterações no CTB em
relação à CNH, deve reduzir o número de suspensões, mas aumentar as
infrações e a insegurança viária, como avalia o professor do
Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do
Ceará (UFC), Flávio Cunto.
"O reflexo imediato vai ser a redução do número de suspensões e o
aumento do numero de infrações amparadas pelo aumento da pontuação",
analisa. Por outro lado, continua, suspender o direito de dirigir é
apenas parte da solução dos problemas viários.
"Retirar de circulação quem não tem condição de compartilhar o
trânsito é uma das medidas que ajudam, mas temos no sistema pessoas que
têm a carteira suspensa e continuam dirigindo. O ideal seria diminuir o
número de pontos e, além disso, elaborar processos para acompanhar de
forma mais próxima e firme os que têm a carteira suspensa. Estamos indo
num processo oposto, sendo mais permissivos", critica o professor.
dn