Trinta dias antes de o Edifício Andrea ruir, a síndica Maria das Graças Rodrigues, de 53 anos, solicitou um orçamento para recuperação estrutural do prédio por meio de ligação telefônica. Uma vistoria técnica realizada no dia 19 de setembro, às 11h30, atendeu à demanda. Na ocasião, pelo menos 135 pontos no pilotis - conhecido popularmente como pavimento térreo- e na casa de bomba apresentavam falhas na armação física.
A informação foi repassada por Alberto Cunha, presidente do grupo CAC Engenharia, que entregou um orçamento para a prestação do serviço. Contudo, a empresa não chegou a executá-lo porque uma oferta concorrente sairia mais em conta, cerca de 30% abaixo do valor por ele cobrado.
"Eu e meu funcionário detectamos todos os comprometimentos da área onde ela queria realizar o serviço, e no teto da casa de máquina, que fica na parte de trás da lateral do prédio. Nós fotografamos vigas, pilares e as lajes. Eram 135 pontos aparentemente comprometidos porque já existiam fissuras devido a oxidação do ferro", descreve o engenheiro.
Problemas
A inspeção do profissional e de um funcionário durou cerca de uma hora. O procedimento foi acompanhado até o fim pela síndica do edifício. Eles diagnosticaram rachaduras nos pilares, concreto soltando da armação e ferros soltos. Na casa de bomba, onde faz o transporte da água da cisterna para a caixa, Alberto Cunha revela que o ambiente concentrava a maior parte das falhas.
No dia 30 do mesmo mês, o orçamento foi entregue ao porteiro do edifício. Dois dias depois, o setor comercial da CAC Engenharia ligou para a síndica pedindo um retorno ao passo que ela justificou a recusa do serviço. "Quando o meu funcionário ligou, ela disse que a nossa proposta não foi aceita em assembleia, porque nosso preço tinha sido muito caro e o outro tinha sido 30% abaixo da nossa proposta, e a pessoa ainda dava a pintura do pilotis", alega.
A síndica teria também questionado a possibilidade de a empresa baixar o valor do trabalho, mas a tentativa de negociação não teve êxito. Isso porque, além da garantia de cinco anos, Alberto Cunha diz que o reparo seria feito de "forma artesanal" com prazo de 30 dias úteis. Era necessário fazer a inscrição da obra no Conselho Regional de Arquitetura e Agronomia (CREA), o escoramento dos pilares, o tratamento das fissuras, a remoção do concreto desagregado e da ferrugem oxidada e reboco para o acabamento da intervenção.
O engenheiro não aponta os critérios técnicos que levaram os condôminos a escolherem outra proposta, mas pondera que, em geral, o serviço com menor custo sempre é a opção escolhida. "O conselho vai para o mais barato. Eles não analisam os dados técnicos, o passo a passo da obra, a idoneidade da empresa. Só mesmo a parte de valor. Muitas vezes, em assembleia, uma pessoa que não sabe nem o que é uma recuperação estrutural, vai votar pelo menor valor".
Esclarecimentos
Os autos apontam que a empresa responsável por iniciar a reforma no residencial Andrea foi a Alpha Engenharia Ltda. O engenheiro e proprietário da empresa, José Andreson Gonzaga dos Santos, estava no térreo do edifício no instante da tragédia, juntamente com a síndica, o zelador Francisco Rodrigues Alves e outros dois funcionários da Alpha, identificados como Carlos e Amauri. Andreson, Carlos, Amauri e o zelador conseguiram escapar do desastre. Já a síndica Maria das Graças permanece sob os escombros.
A reportagem apurou que instantes após o desabamento, Andreson e Carlos foram espontaneamente à Polícia Civil prestar esclarecimentos. Conforme os depoimentos obtidos com exclusividade pelo Sistema Verdes Mares, ambos afirmaram que a obra de reparação estrutural do Andrea estava autorizada e com liberação da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART).
Na fala de José Andreson ele esclarece que há dois meses a síndica do prédio contratou a empresa dele para fazer a recuperação da estrutura. Segundo Andreson, ele foi ao local no dia 21 de agosto para verificar as condições do condomínio. Na data, o engenheiro teria dito para Maria das Graças que serviços executados antes no local tinham acontecido de maneira errada, "pois o pedreiro utilizou materiais que não condizem com o que deveriam ser utilizados".
Andreson disse à Polícia que presenciou que os pilares já demonstravam as ferragens com nível de corrosão alto. No contrato, o orçamento previsto era de R$ 22,2 mil. O valor seria para recuperar pilares e vigas do condomínio. Nos esclarecimentos, o engenheiro também disse ter alertado a síndica sobre necessidade de recuperação das varandas, que apresentavam aço danificado. Porém, ela teria dito que só iria fazer esta reforma posteriormente "devido à falta de dinheiro".
O proprietário da Alpha informou que, na última segunda-feira, com seus funcionários, deixou materiais e equipamentos para iniciar o serviço e, só na terça-feira, retornado ao local para executar a obra, contrariando a versão dos moradores e do zelador que contaram que a obra iniciou na segunda-feira, 14. Às 10h07 ele disse a Graça que já estava com a ART. Vinte minutos depois, o prédio desabou.
Carlos também prestou esclarecimentos às autoridades e corroborou com a versão de José Andreson. Na versão de Carlos, eles aguardavam que chegassem as escoras para iniciar o serviço. Ele disse ter começado apenas o serviço de escovação dos ferros que estavam à mostra nas colunas do edifício. Ele e os outros quatro do grupo conversavam, quando foram surpreendidos "com um grande barulho".
O engenheiro contou ter visto um pilar em colapso, "como se estivesse amassando os ferros para fora" e se dado conta de que algo sério estava acontecendo. Em seguida, Amauri começou a gritar avisando que iria desabar. Carlos, Amauri e o zelador correram para a entrada principal na Rua Tibúrcio Cavalcante, enquanto Andreson e Graça permaneceram na parte de trás do condomínio.
Na fala do engenheiro Carlos, ele indica acreditar que o desmoronamento do prédio aconteceu devido à falta de manutenção preventiva. A reportagem do Sistema Verdes Mares apurou que as autoridades policiais trabalham com a possibilidade de ter havido crime contra a incolumidade pública, ou seja, por não ter evitado perigo ou risco coletivo, risco assumido a partir do momento em que a garantia do bem-estar e segurança das pessoas não acontecem.
dn