Para relembrar as histórias de luta e a preservação de uma cultura ancestral, povos indígenas foram às ruas de Caucaia na manhã desta terça-feira, 3, para marchar em homenagem ao Dia do Povo Tapeba. A marcha ocorre anualmente no dia 3 de outubro e percorre as ruas do Centro do município, localizado na Região Metropolitana de Fortaleza.
O evento é uma realização das lideranças indígenas locais e das comunidades, além das unidades de ensino que possuem educação Indígena.
A concentração para a marcha teve início às 8 horas na Praça da Igreja Matriz do município. Estiveram presentes jovens, adultos, idosos e, inclusive, bebês da etnia. Durante o trajeto, o povo entoava com orgulho cânticos de resistência.
Associados ao som das maracas, o soar dos tambores e o impacto das bordunas (pedaço de madeira cilíndrico) ao chão, logo chamaram a atenção da população, que parou para admirar o grande grupo indígena adornado de trajes tradicionais.
De acordo com Kilvia Tapeba, que atua como presidente da Associação das Mulheres Indígenas Tapeba, a ação tem como objetivo reforçar a presença do povo no município.
“Buscamos visibilidade saindo às ruas. Fazemos essas falas de pacificação, tanto entre nós, indígenas, quanto para a população, que muitas vezes acha que nós atrapalhamos o desenvolvimento do município, não é esse nosso interesse”, comenta a líder indígena.
A Marcha de Resistência é um tributo às violações enfrentadas pelos Tapeba ao longo de 30 anos. Essas violações incluem ameaças, a perda de lideranças, bem como a invasão da terra indígena por posseiros.
Com uma área tradicional de 5,8 mil hectares, embora delimitada, a terra ainda aguarda reconhecimento e demarcação oficial. Mais de sete mil Tapebas vivem em 17 comunidades dentro desse território.
Segundo Kilvia Tapeba, a data da Marcha coincide com o dia da morte do cacique Vitor Tapeba (Perna-de-Pau), em 1984. Figura emblemática para a comunidade, o cacique foi pioneiro na luta pela demarcação de terras e pela preservação da rica cultura Tapeba em Caucaia.
“A partir daí nós achamos necessário que o Caucaia instituísse a data como lei no município e, felizmente, conseguimos. Mas esse é um dia de homenagem não só para ele, mas para todos aqueles que se dedicaram à luta pelo nosso povo”, declarou a presidente da Associação das Mulheres Indígenas Tapeba.
Repassando a cultura ancestral
Com o evento incluído no calendário das escolas, grande parte do grupo que percorreu as ruas do município neste 3 de Outubro era formado por estudantes. Caucaia atualmente possui 14 escolas destinadas a atender os Tapebas. Dessas, dez são pertencentes à rede estadual e quatro à rede municipal.
Mariana Alves, de 16 anos, compunha a comitiva da Escola Indígena Marcelino Alves de Matos. Com o rosto adornado com pinturas feitas a partir da tinta extraída da semente do jenipapo, ela ressalta que o ambiente escolar teve papel fundamental na sua conexão com a ancestralidade.
“Apesar de ser neta de indígenas, foi na escola que eu comecei a aprender as histórias e as tradições do povo Tapeba. Com essa [marcha], eu espero que as pessoas entendam a importância do nosso povo e a nossa cultura”, comenta a estudante.
Da porta de um comércio, acompanhando a comitiva com os olhos cheios de emoção estava dona Francisca Edna, de 55 anos. Ela fazia questão de aplaudir o filho Francisco Paulino Souza, de 18 anos, ao tocar tambor.
“Eu acho a coisa mais linda ver ele se desenvolvendo no instrumento do nosso povo, é uma homenagem aos nossos ancestrais. Para mim é uma emoção grande”, destaca a mãe, que também é indígena Tapeba.
De acordo com Kleber Tapeba, diretor da Escola Indígena da Ponte, a instrução de jovens nas tradições é muito importante, pois é nesse período que elas começam a formar o seu senso de cidadania. "Assim, poderemos ver a juventude ocupando os espaços".
"Se nós, das escolas indígenas, não estudarmos a lei que constitui o nosso País, que é uma lei imposta e não criada por nós, indígenas, então temos que compreendê-la e fazer valer os nossos direitos", afirmou.
A marcha finalizou por volta das 10 horas, com culminância final em frente a Igreja Matriz. Como ato final, o grupo realizou o ritual do Toré. O ato consiste em uma dança circularem fila, acompanhada por cantos e o som dos instrumentos tradicionais.
União Indígena
Além dos Tapeba, representantes da etnia Anacé também estiveram presentes. Um deles foi Thiago Anacé, professor indígena e coordenador regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Ele ressalta que o processo de ocupação em Caucaia foi à custa do etnocídio dos indígenas.
“O povo Tapeba traz as marcas dessa invasão no território que foi tomado, mas também na língua e no direito de praticar seus rituais indígenas. No entanto, hoje estamos afirmando nossa resistência e identidade. Mas, acima de tudo, é necessário que a sociedade compreenda, aceite, conviva e garanta os direitos dos povos indígenas”, pontua o professor.
Além da marcha realizada no Dia do Povo Tapeba, no mês de outubro ainda ocorre a Festa da Carnaúba. A celebração é anual e realizada entre os dias 18 e 20 do mês. A data faz referência à Árvore Sagrada, que também é utilizada como fonte de renda, para a produção artesanal, além de materiais para a construção de casas.
Portal O POVO