Refinaria do Ceará aguarda liberação de terreno numa área questionada pela tribo anacé
Dezoito meses após o lançamento da pedra fundamental pelo então
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que três dias depois passaria
o cargo a Dilma Rousseff, a refinaria cearense Premium 2, apontada como
prioritária pela Petrobrás, não passa de um enorme terreno abandonado.
Os quase 2 mil hectares destinados ao empreendimento da petroleira não
foram nem sequer cercados. Não há sinais de obra. O terreno está tomado
por vegetação cerrada, cortada por trilhas e estradas esburacadas de
movimento quase inexistente.
O local onde houve a solenidade com a presença de Lula e do governador
do Ceará, Cid Gomes (PSB), não foi sequer limpo. Placas de orientação
aos convidados estão jogadas no matagal. Em uma delas, de fundo branco e
letras negras, era legível os trechos "Creden" e "Convid", provável
referência ao credenciamento de convidados. O restante da placa
desapareceu.
Na clareira em que ocorreu a cerimônia permanecem os tocos de madeira em
que foram presas as tendas montadas para as autoridades. No solo
empoeirado e coberto de mato rasteiro, se avistam as pedras de brita
espalhadas para evitar que, se chovesse, tudo virasse um lamaçal. A
placa alusiva ao evento, descerrada por Lula, desapareceu.
O principal entrave ao início da obra é fundiário, embora seja uma obra
cara, orçada em US$ 11,4 bilhões e a Petrobrás, em seu Plano de Negócios
2011-2016, tenha cortado R$ 5 bilhões dos gastos destinados ao refino.
Índios da tribo anacé reivindicam a área. Sem autorização da Fundação
Nacional do Índio (Funai), a Petrobrás não pode começar a trabalhar no
terreno, embora equipes terceirizadas que realizam levantamentos
arqueológicos já estejam no local. O atraso no começo da construção da
refinaria já soma três anos. Em agosto de 2008, os governos federal e
cearense definiram que em 2009 o terreno começaria a ser desmatado e
terraplenado.
A administração Cid Gomes adquiriu por R$ 126 milhões a área de 1.940
hectares, que engloba trechos rurais dos municípios de São Gonçalo do
Amarante e Caucaia. O terreno integra a retroárea do Complexo Industrial
e Portuário do Pecém e fica a cerca de 10 quilômetro do porto,
construído há dez anos para o apoio à produção da refinaria e da
siderúrgica planejadas para o local desde a década de 90.
O questionamento indígena surgiu durante o processo de aquisição dos
lotes do terreno. Embora nenhuma família anacé more na área, o argumento
apresentado à Petrobrás e ao governo cearense é de que aquela região
guarda resquícios de tradições indígenas, tendo, portanto, relevância
histórica.
Sem o aval da Funai, a Superintendência Estadual do Meio Ambiente não
pode liberar a licença de instalação para a Premium 2, o que
impossibilita a Petrobrás de avançar na obra. Os anacés reivindicam uma
terra próxima para instalar uma reserva.
Negociação.
A Funai ainda não se manifestou
oficialmente sobre a polêmica, mas apoia a pretensão dos índios, a quem
orientam e acompanham nas discussões. Em maio, a Funai devolveu o Plano
Básico Ambiental (PBA) preparado pela Petrobrás, sob alegação de que era
um documento incompleto.
Reuniões para tratar do assunto vêm sendo realizadas mensalmente. A
última, em 28 de julho, em Fortaleza, não resultou em entendimento.
Lideranças anacés sugeriram a aquisição pelo Estado de um terreno de 889
hectares em São Gonçalo do Amarante. O governo cearense argumentou que a
desapropriação demoraria, o que atrasaria ainda mais a refinaria.
A Procuradoria Geral do Estado ofereceu dois outros terrenos, que somam
1,9 mil hectares e poderiam servir como área de proteção indígena. Os
anacés ainda não responderam, apesar de terem manifestado insatisfação
com a contraproposta.
Na tentativa de acelerar o processo, a Petrobrás admitiu, em contatos
com o governo do Ceará, responsabilizar-se por metade dos custos do
terreno. Para o governador Cid Gomes, a aquisição de uma área grande o
suficiente para os anacés pode custar cerca de R$ 30 milhões.
Aliados do governador consideram que os problemas criados pela
reivindicação dos índios e da demora da Funai em autorizar a refinaria
têm um componente político que passa pela eleição estadual de 2014.
Gomes não comenta, mas políticos ligados a ele avaliam que, se a
refinaria começar a ser construída logo, o candidato do governo à
sucessão terá um trunfo eleitoral bastante expressivo a apresentar na
campanha. Se a demora prosseguir, os adversários do candidato de Gomes
poderão responsabilizá-lo por não ter executado um projeto do governo
federal que traria desenvolvimento e empregos ao Ceará. Antes aliados,
PSB, partido do governador, e PT, do governo federal, serão adversários
nas urnas.
Como a Funai é um órgão da administração federal, sua demora em definir
se os índios têm ou não o direito de reivindicar a terra seria um
expediente para beneficiar o candidato petista em 2014, na versão
difundida por aliados do governador.
tribunadomaranhao
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