O conflito entre o presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido) e o Supremo Tribunal Federal (STF) ganhou, na quarta-feira (29), mais um capítulo. O chefe do Executivo desistiu da nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal (PF) após o ministro da Corte Alexandre de Moraes suspendê-la.
O delegado havia sido escolhido por Bolsonaro, na última terça-feira (28). A troca na direção-geral da corporação foi o estopim para o pedido de demissão do ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública, na semana passada, após exoneração do ex-diretor-geral da PF, Maurício Valeixo.
Segundo o agora ex-ministro, Bolsonaro queria trocar o diretor-geral da Polícia Federal para ter acesso a informações e relatórios confidenciais de inteligência. Desde o início da pandemia do novo coronavírus, o STF tem imposto derrotas ao presidente que, em declarações, testa os limites da Corte.
Recurso
Ainda na quarta, Bolsonaro desautorizou a Advocacia-Geral da União (AGU) e disse que vai recorrer da decisão de Alexandre de Moraes. Mais cedo, a AGU havia divulgado nota pública na qual afirmou que não recorreria da suspensão da posse do indicado.
"É dever dela (AGU) recorrer", disse Bolsonaro. "Quem manda sou eu e eu quero o Ramagem lá", disse Bolsonaro, que momentos antes, na solenidade de posse do novo ministro da Justiça, André Mendonça, no Palácio do Planalto, havia afirmado que seu sonho de nomear o delegado para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal "brevemente se concretizará".
Na entrada do Palácio da Alvorada, onde cumprimentou eleitores após uma caminhada, ele sustentou, na quarta à noite, que houve uma ingerência do Poder Judiciário e voltou a afirmar que cumprirá o seu desejo de nomear para o cargo o amigo de seus filhos.
"Eu quero o Ramagem lá. Foi uma ingerência, né? Mas vamos fazer tudo para o Ramagem. Se não for, vai chegar a hora dele e eu vou botar outra pessoa", disse.
Pouco depois de Bolsonaro ter desautorizado a nota da AGU, José Levi, o novo responsável pelo órgão, reafirmou que não haveria recurso. "Já foi dito que não haverá recurso", disse, no Palácio do Planalto. Ele deu a entender, porém, que não tinha informação sobre as declarações do presidente.
Discussão
Há uma discussão jurídica sobre se o processo ainda pode ser julgado ou se estaria "prejudicado", termo usado para definir situações em que o ato atacado já não tem mais efeito, já que na tarde de quarta Bolsonaro revogou a nomeação. A desistência foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União.
Como a decisão sobre o caso foi monocrática, a AGU pode recorrer para que Moraes reavalie o próprio entendimento ou para levar o caso ao plenário. Assim, caberia aos 11 ministros da Corte decidir se a nomeação, de fato, deixou de observar os princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público, conforme afirmou Moraes. O ministro atendeu a pedido do PDT, que ajuizou mandado de segurança no STF alegando "abuso de poder por desvio de finalidade" na nomeação de Ramagem para a PF.
Bolsonaro ressaltou que se o recurso não der certo ele tem "várias opções" para o posto, entre elas o secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres. Antes da definição de Ramagem, Torres foi cogitado para ocupar o posto. Na decisão em que cancelou a nomeação, Moraes afirmou haver "inobservância aos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público".
O ministro do Supremo Tribunal Federal ressaltou, ainda, que, "em um sistema republicano, não existe poder absoluto ou ilimitado, porque seria a negativa do próprio Estado de Direito". "Se, por um lado, no exercício de suas atribuições, ao presidente da República está assegurado o juízo de conveniência e oportunidade para escolher aqueles que entender como as melhores opções para o interesse público, por outro lado, o chefe do Poder Executivo deve respeito às hipóteses legais", escreveu.
Posse
Apesar das turbulências, o novo ministro da Justiça, André Mendonça, tomou posse, na quarta, prestando continência e fazendo uma série de menções elogiosas ao presidente, a quem chamou de profeta. Em discurso de improviso, Bolsonaro fez acenos a ministros do Supremo e, lendo um artigo da Constituição, defendeu a independência e harmonia entre os Poderes, mas disse sonhar em dar posse a seu indicado no comando da PF.
"Assim me comporto e dirijo essa Nação. Não posso admitir que ninguém ouse desrespeitar ou tentar desbordar a nossa Constituição. Esse é o meu papel; o papel não só dos demais Poderes, bem como de qualquer cidadão desse Brasil. Harmonia, independência e respeito entre si", acrescentou o presidente.
Mendonça, por sua vez, prometeu mais operações da Polícia Federal, atuação técnica e imparcial. "Combate irrestrito à criminalidade. Há mais de uma década tenho me dedicado, na prática e na teoria, ao combate à corrupção. Presidente, o senhor tem sido, há 30 anos, um profeta no combate à criminalidade", disse, em referência a Bolsonaro. Ele afirmou que seu compromisso "é continuar desenvolvendo o trabalho técnico que tem pautado minha vida".
Coronavírus na pauta do Legislativo
Enquanto no Poder Executivo o dia foi de turbulências em relação à efetivação de trocas no Governo Federal, o Legislativo teve, na quarta, mais um dia de debates relacionados ao combate ao novo coronavírus no País. A Câmara de Deputados, por exemplo, aprovou projeto que determina fornecimento gratuito de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) a médicos, psicólogos, policiais, bombeiros e coveiros.
O texto, relatado pelo deputado federal Hiran Gonçalves (PP-RR), foi aprovado em votação simbólica.
O projeto estabelece que, durante a emergência provocada pelo novo coronavírus, o Poder Público e as empresas deverão adotar medidas para preservar a saúde dos profissionais considerados essenciais ao controle da pandemia.
Na mesma proposta, os deputados federais também aprovaram prioridade na testagem do novo coronavírus a profissionais que atuam no combate à Covid-19 e estão em contato direto com pessoas contaminadas, caso dos profissionais de saúde e dos agentes funerários. A medida segue para o Senado.
Os senadores, aliás, ouviram o ministro da Saúde, Nelson Teich, em sessão interativa. O pedido para que Teich prestasse esclarecimentos ao Senado foi feito pela senadora Rose de Freitas (Podemos-ES), aprovado na sessão virtual, da última segunda-feira (27). Hoje, às 11h, será a vez de o ministro da Economia, Paulo Guedes, falar aos parlamentares, na comissão mista que acompanha as medidas do governo para enfrentamento ao coronavírus.
Também hoje, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), deve apresentar a primeira versão do relatório ao projeto do Executivo que prevê o socorro da União a estados e municípios, agora mais urgente em razão da perda de arrecadação provocada pela pandemia de Covid-19. O texto tem votação marcada para sábado (2), às 16h.
Derrotas no STF durante pandemia
Isolamento social
No dia 24 de março, o ministro Marco Aurélio, do STF, atendeu, em parte, uma ação do PDT e afirma que, apesar de medida provisória do Governo exigir aval de agências reguladoras federais para o fechamento de divisas, estados e municípios têm competência para editar medidas de saúde contra o coronavírus.
Proibição de campanha
Em 31 de março, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, vetou a circulação da campanha “O Brasil não pode parar”, do Governo Federal, que estimulava a volta à normalidade. Segundo Barroso, iniciativas contra o isolamento colocariam a vida da população em risco. Ele proibiu qualquer propaganda que minimize a crise.
Na Câmara
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse na quarta que respeita a decisão de Alexandre de Moraes, que barrou a indicação do Palácio do Planalto de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal. “Decisão dos ministros do STF nós respeitamos. Não cabe a mim ficar discutindo, certamente ela está baseada em fatos”, afirmou.
DN