quarta-feira, 17 de abril de 2013

RMF lidera trabalho infantil no País


6.050 crianças exercem serviços domésticos, o maior número em relação às outras regiões metropolitanas

Meninos e meninas deixam de aproveitar a infância e passam a ser trabalhadores precoces, segundo o procurador Antônio de Oliveira Lima Foto: Marília Camelo

A regulamentação da emenda constitucional do trabalho doméstico, que garante ao setor os mesmos direitos trabalhistas de outros segmentos, tem provocado discussões que trouxeram à tona uma outra grave realidade: o trabalho infantil.

Segundo levantamento do Ministério Público do Trabalho no Ceará, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2011, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) apresenta o maior número de crianças e adolescentes (6.050) de 10 a 17 anos que exercem trabalhos domésticos, comparado às outras regiões metropolitanas do Brasil, como Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Na RMF, são as meninas que representam a maior participação, com 79%. No Ceará, são 16 mil crianças e adolescentes envolvidos com este tipo de ocupação.

Apenas no Nordeste, 102 mil crianças e adolescentes da faixa etária mencionada exercem o trabalho infantil doméstico - o que representa quase 40% de participação comparado ao número total no País, pouco mais de 257 mil.

Invisibilidade

A realidade passa despercebida para a população, pois este tipo de serviço é realizado em local isolado - nos domicílios, onde a exploração é invisível à sociedade. Uma preocupação motivada pelo novo custo com o trabalho doméstico, que não cabe no bolso de quem já media esforços para pagar o salário antigo da categoria, remete ao passado: quando as famílias traziam meninas do Interior do Estado para pagar menos pelo serviço e, sem perspectivas de vida, elas eram vítimas da ilusão de vida "boa" na Capital.

No entanto, essa é uma realidade cada vez mais rara, de acordo com a avaliação da coordenadora do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte, Ana Márcia Diógenes.

"Essa prática era frequente no passado, mas, agora, a população está mais crítica e alerta sobre esse assunto, e a gente espera que isso não volte mais a acontecer", ressalta.

A coordenadora acredita também que o Programa Bolsa Família, benefício oferecido pelo governo federal, ajuda a reduzir a necessidade do trabalho de crianças e adolescentes para complementar a renda das famílias de baixa renda.

Segundo o procurador do Ministério Público do Trabalho, Antônio de Oliveira Lima, que coordena ações de combate ao trabalho infantil no Estado, a resolução do problema deve começar com a conscientização da sociedade sobre sua gravidade.

Combate

Para o procurador, uma política pública adequada, com a implementação de escolas integrais e disseminação da cultura, esporte e lazer para crianças, reduz o tempo que esses meninos poderiam estar sendo submetidos ao trabalho doméstico ou de qualquer outra ordem. "Cabe à família e ao Estado assegurar o direito das crianças e dos adolescentes", ressalta Antônio de Oliveira Lima.

O trabalho infantil doméstico ainda carece de visibilidade. Apesar da gravidade do problema, a Constituição Federal garante o direto à inviolabilidade do domicílio, o que impede a fiscalização dos auditores do Ministério do Trabalho na casa das pessoas. Além disso, os milhões de residências existentes em todo o País tornam a vistoria inviável.

A criança e o adolescente podem ser prejudicados de várias formas. "Eles deixam de aproveitar a infância e passam a ser trabalhadores precoces", declarou o procurador.

Longe de casa e da família, eles não têm testemunhas que os protejam de possíveis assédios moral e sexual. Dentro do ambiente de terceiros, eles não têm voz nem vez.

Existem, ainda, os riscos de acidentes domésticos com o uso de objetos cortantes e o contato com produtos insalubres, utilizados para a limpeza da casa, que podem causar problemas de saúde, como alergias.

No dia 12 de junho, comemora-se o Dia Mundial e Nacional de Combate ao Trabalho Infantil. O tema da campanha 2013 será trabalho infantil doméstico.

Exploração pode prejudicar a vida adulta da criança

Dificuldade de desenvolvimento intelectual e de relacionamentos, agressividade e envolvimento com drogas podem ser verificados entre as vítimas Foto: Kid Júnior

Todas as formas de trabalho infantil podem afetar de alguma maneira o futuro adulto. Segundo a psicóloga, psicanalista e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor) Sabrina Matos, o trabalho infantil impede que a criança e o adolescente possam usufruir o direito à infância.

"A criança não tem tempo de fantasiar e de criar. Acaba antecipando etapas de seu vida, e isso pode ou não causar problemas no futuro", explicou a professora. Além disso, como tendem a ficar longe do ambiente familiar, essas crianças e adolescentes perdem também o direito à afetividade. Cada sujeito é único e, dessa forma, não é possível dizer que um adulto que trabalhou na infância terá problemas psicológicos por este motivo.

Contudo, as pessoas precisam passar pelo período de moratória social, ou seja, o tempo necessário para o desenvolvimento da criança, que acontece através dos seus relacionamentos com os amigos da escola e aprendizagem diária que a vida proporciona. Dificuldade de desenvolvimento intelectual e de relacionamentos, agressividade e até envolvimento com drogas lícitas e/ou ilícitas estão entre os problemas causados pela falta deste período, dependendo das referências de vida de cada um.

Em 2008, um decreto assinado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva permitiu que o combate ao trabalho infantil no País fosse foco de discussões, ampliando as possibilidades de punição contra as pessoas e as empresas que o utilizam.

Em 12 de junho daquele ano, o decreto de número 6.481, aprovou, em nível federal, a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, incluindo o doméstico.     

dn

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