6.050 crianças exercem serviços domésticos, o maior número em relação às outras regiões metropolitanas
Meninos
e meninas deixam de aproveitar a infância e passam a ser trabalhadores
precoces, segundo o procurador Antônio de Oliveira Lima Foto: Marília
Camelo
A regulamentação da emenda constitucional do trabalho
doméstico, que garante ao setor os mesmos direitos trabalhistas de
outros segmentos, tem provocado discussões que trouxeram à tona uma
outra grave realidade: o trabalho infantil.
Segundo levantamento
do Ministério Público do Trabalho no Ceará, com base na Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2011, realizada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Região Metropolitana de
Fortaleza (RMF) apresenta o maior número de crianças e adolescentes
(6.050) de 10 a 17 anos que exercem trabalhos domésticos, comparado às
outras regiões metropolitanas do Brasil, como Belém, Belo Horizonte,
Curitiba, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Na
RMF, são as meninas que representam a maior participação, com 79%. No
Ceará, são 16 mil crianças e adolescentes envolvidos com este tipo de
ocupação.
Apenas no Nordeste, 102 mil crianças e adolescentes da
faixa etária mencionada exercem o trabalho infantil doméstico - o que
representa quase 40% de participação comparado ao número total no País,
pouco mais de 257 mil.
Invisibilidade
A
realidade passa despercebida para a população, pois este tipo de serviço
é realizado em local isolado - nos domicílios, onde a exploração é
invisível à sociedade. Uma preocupação motivada pelo novo custo com o
trabalho doméstico, que não cabe no bolso de quem já media esforços para
pagar o salário antigo da categoria, remete ao passado: quando as
famílias traziam meninas do Interior do Estado para pagar menos pelo
serviço e, sem perspectivas de vida, elas eram vítimas da ilusão de vida
"boa" na Capital.
No entanto, essa é uma realidade cada vez mais
rara, de acordo com a avaliação da coordenadora do Fundo das Nações
Unidas para a Infância (Unicef) no Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte,
Ana Márcia Diógenes.
"Essa prática era frequente no passado, mas,
agora, a população está mais crítica e alerta sobre esse assunto, e a
gente espera que isso não volte mais a acontecer", ressalta.
A
coordenadora acredita também que o Programa Bolsa Família, benefício
oferecido pelo governo federal, ajuda a reduzir a necessidade do
trabalho de crianças e adolescentes para complementar a renda das
famílias de baixa renda.
Segundo o procurador do Ministério
Público do Trabalho, Antônio de Oliveira Lima, que coordena ações de
combate ao trabalho infantil no Estado, a resolução do problema deve
começar com a conscientização da sociedade sobre sua gravidade.
Combate
Para
o procurador, uma política pública adequada, com a implementação de
escolas integrais e disseminação da cultura, esporte e lazer para
crianças, reduz o tempo que esses meninos poderiam estar sendo
submetidos ao trabalho doméstico ou de qualquer outra ordem. "Cabe à
família e ao Estado assegurar o direito das crianças e dos
adolescentes", ressalta Antônio de Oliveira Lima.
O trabalho
infantil doméstico ainda carece de visibilidade. Apesar da gravidade do
problema, a Constituição Federal garante o direto à inviolabilidade do
domicílio, o que impede a fiscalização dos auditores do Ministério do
Trabalho na casa das pessoas. Além disso, os milhões de residências
existentes em todo o País tornam a vistoria inviável.
A criança e
o adolescente podem ser prejudicados de várias formas. "Eles deixam de
aproveitar a infância e passam a ser trabalhadores precoces", declarou o
procurador.
Longe de casa e da família, eles não têm testemunhas
que os protejam de possíveis assédios moral e sexual. Dentro do
ambiente de terceiros, eles não têm voz nem vez.
Existem, ainda,
os riscos de acidentes domésticos com o uso de objetos cortantes e o
contato com produtos insalubres, utilizados para a limpeza da casa, que
podem causar problemas de saúde, como alergias.
No dia 12 de
junho, comemora-se o Dia Mundial e Nacional de Combate ao Trabalho
Infantil. O tema da campanha 2013 será trabalho infantil doméstico.
Exploração pode prejudicar a vida adulta da criança
Dificuldade
de desenvolvimento intelectual e de relacionamentos, agressividade e
envolvimento com drogas podem ser verificados entre as vítimas Foto: Kid
Júnior
Todas as formas de trabalho infantil podem afetar de
alguma maneira o futuro adulto. Segundo a psicóloga, psicanalista e
professora da Universidade de Fortaleza (Unifor) Sabrina Matos, o
trabalho infantil impede que a criança e o adolescente possam usufruir o
direito à infância.
"A criança não tem tempo de fantasiar e de
criar. Acaba antecipando etapas de seu vida, e isso pode ou não causar
problemas no futuro", explicou a professora. Além disso, como tendem a
ficar longe do ambiente familiar, essas crianças e adolescentes perdem
também o direito à afetividade. Cada sujeito é único e, dessa forma, não
é possível dizer que um adulto que trabalhou na infância terá problemas
psicológicos por este motivo.
Contudo, as pessoas precisam
passar pelo período de moratória social, ou seja, o tempo necessário
para o desenvolvimento da criança, que acontece através dos seus
relacionamentos com os amigos da escola e aprendizagem diária que a vida
proporciona. Dificuldade de desenvolvimento intelectual e de
relacionamentos, agressividade e até envolvimento com drogas lícitas
e/ou ilícitas estão entre os problemas causados pela falta deste
período, dependendo das referências de vida de cada um.
Em 2008,
um decreto assinado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva
permitiu que o combate ao trabalho infantil no País fosse foco de
discussões, ampliando as possibilidades de punição contra as pessoas e
as empresas que o utilizam.
Em 12 de junho daquele ano, o decreto
de número 6.481, aprovou, em nível federal, a Lista das Piores Formas
de Trabalho Infantil, incluindo o doméstico.
dn