A violência doméstica no contexto do isolamento social decorrente da pandemia do novo coronavírus tem sido debatida nos meios de comunicação, nas redes sociais e virou tema de diversas campanhas. Por quê?
Ao praticar o distanciamento social como medida de prevenção à doença, mulheres passam a conviver de forma ininterrupta com os companheiros e expõem-se ainda mais à opressão e à violência. A casa se torna também um ambiente perigoso e a quarentena dificulta ainda mais a denúncia. Por isso, o silenciamento dessas mulheres precisa ser debatido. Familiares, colegas de trabalho, amigos, atendentes de serviços essenciais e vizinhos: prestem atenção nas mulheres em sua volta.
Levantamento do Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher (Nudem) de Fortaleza mostra que durante a pandemia, a partir do decreto do Governo de isolamento social, editado no último dia 23 de março, foram realizados 288 procedimentos pelas defensoras públicas e colaboradores da equipe psicossocial. De acordo com a defensora pública e supervisora do Nudem, Jeritza Braga, estima-se que em 90% deles foram agredidas por cônjuge, companheiro, ex-companheiros ou ex-namorados. O perfil do agressor já havia sido identificado em pesquisas anteriores feitas pelo Núcleo, nas quais as vítimas recorrentes são mulheres em idade adulta, entre 36 a 45 anos, e com filhos vivenciando rotinas de agressão. Na pesquisa realizada em 2019 mostrou que são os ex-companheiros e os cônjuges, com 47% e 36% respectivamente, os responsáveis pela agressão.
Carla* foi uma dessas mulheres que buscou por assistência nesse período. Vítima de violência física e psicológica do companheiro, ela já estava com medida protetiva, mas acabou voltando a morar com o agressor que passou a mantê-la em cárcere privado. Por conta disso, ela perdeu a audiência marcada no Fórum de Caucaia e entrou em contato com a Defensoria Pública relatando a situação. Foi quando a equipe psicossocial do Nudem passou a acompanhá-la e fez a denúncia na Delegacia da Mulher da cidade. Uma equipe da delegacia foi até a residência e constatou a situação de violência. As medidas cabíveis foram tomadas, o agressor foi afastado do lar e a mulher encaminhada para os programas de assistência social, que existem em parceria com os órgãos de proteção. “Claro que ainda tenho medo, mas preciso recomeçar minha vida. Estou esperando esse período de pandemia para voltar a trabalhar e ter uma vida melhor, porque eu mereço uma vida mais digna, sem violência. Vou lutar por isso por mim e pelo meu filho”, revela.
Mesmo antes da existência da Covid-19, a violência doméstica já era uma das maiores violações dos direitos humanos do mundo. Nos 12 meses anteriores à pandemia, 243 milhões de mulheres e meninas (de 15 a 49 anos) foram submetidas à violência sexual ou física por um parceiro íntimo. Outro estudo, realizado pelo Instituto de Pesquisa DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência, mostra que cerca de 24% das vítimas convivem com o agressor, 34% dependem dele economicamente e 31% das entrevistadas afirmaram não ter feito nada em relação a última violência sofrida.
O Disque 180, central de atendimento do Governo Federal para casos de violência doméstica, registrou aumento de quase 10% no número de ligações e de 18% nas denúncias de violência, nas duas primeiras semanas do confinamento. De acordo com a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Mulher, entre os dias 1º e 16 de março, a média diária de ligações recebidas foi de 3.045, com 829 denúncias registradas. Já entre os dias 17 e 25 deste mês foram registradas 3.303 ligações recebidas, com 978 denúncias, um aumento de 9% no volume se comparadas com as semanas anteriores.
Todos os dados reforçam que as medidas de confinamento podem ser gatilho para uma crescente no gráfico das situações de violências contra mulheres. “É necessário que a gente pense em formas de ampliar a rede de proteção, garantindo que vizinhos ajudem, disseminar esta informação sobre a rede em postos de saúde, supermercados… A mulher que é vítima precisa deste amparo social, ainda mais agora no contexto de isolamento” afirma a supervisora do Nudem, Jeritza Lopes.
Ela destaca que o fortalecimento e a divulgação dos contatos, além da sensibilização sobre o apoio às mulheres vítimas de violência, são essenciais nesse tempo de crise. “O olhar tem que estar mais atento, mais cuidadoso, pois, sem dúvidas, existem mulheres mais expostas a situações de violência pela condição de isolamento. A obrigatoriedade do convívio constante pode catalisar ações de violência tanto no cenário onde já acontecia, quanto naquele em que a violência pode surgir em decorrência do estresse da quarentena. Então, se você é vizinho, amigo, parente ou vítima, não cale diante de uma agressão. Denuncie”, explana.
Existem ferramentas de denúncia. Se a agressão estiver acontecendo (flagrante), é preciso acionar a Polícia na central 190. As delegacias especializadas em atendimento à mulher realizam flagrantes e descumprimentos de medidas protetivas presencialmente, 24 horas por dia. Também é possível registrar boletim de ocorrência pela internet aqui.
Vale ressaltar que pedidos de proteção contra violência doméstica são considerados serviço de urgência pela Justiça. Basta, portanto, que a vítima solicite a medida. Há ainda o 180 para casos de violência doméstica, que garante sigilo a quem fizer a denúncia (assim como o 190).
A Defensoria Pública também disponibiliza canais de atendimento para que, mesmo diante das medidas de isolamento, as vítimas sejam acolhidas. Em Fortaleza, o Nudem atende de modo remoto, por meio dos números (85) 99763.4909 (whatsapp) e (85) 98712.5180 (whatsapp), (85) 98971-8060 / 98579-9178, além do e-mail nudem@defensoria.ce.def.br.
Na Região do Cariri, os contatos para atendimento remoto são crato@defensoria.ce.def.br, (88) 99975.9586 e (88) 98842.0757.