Pelo menos três ônibus com refugiados venezuelanos chegaram a Fortaleza
na última quinta-feira, 16. Nascidos no país que enfrenta grave crise
humanitária, os imigrantes vêm peregrinando pelo Brasil: de Manaus passaram por Belém e agora estão no Ceará. Crianças, adolescentes e mulheres grávidas vivem em quartos alugados em imóveis em péssimas condições no Centro da Capital.
“Esse grupo de venezuelanos que chega é uma nova demanda, porque nós já
acompanhamos há um ano migrantes que vêm da Venezuela com qualificação,
mas agora é uma comunidade indígena com uma organização própria e uma cultura diferente
desses que nós atendemos”, explica a irmã Idalina Pellegrine,
representante da Pastoral do Migrante. Idalina contabiliza que são cerca
de 90 pessoas, entre elas 25 crianças.
Virgínia Porto, presidente da Comissão de Direitos
Humanos da OAB-CE, explica que a situação de refúgio do grupo na Capital
“fica ainda mais complexa pois eles estão em uma área já
vulnerabilizada do Centro”. A presidente da Comissão conta que em Belém
os imigrantes receberam propostas de trabalho, mas se tratava de uma
situação análoga à escravidão. Esta foi uma das razões de migrarem mais
uma vez dentro do Brasil, chegando a Fortaleza.
Outro fator que complexifica o atendimento aos venezuelanos é a ausência de locais especializados para atender às necessidades de imigrantes e refugiados.
“Em Fortaleza, existem equipamentos de acolhimento para a população em
situação de rua e o Centro Pop, para documentação e alimentação, mas não
existe um local específico para a população migrante”, pontua Lucas
Guerra, membro da Comissão da OAB-CE.
Por meio de nota, a Secretaria da Proteção Social,
Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos informou que a
Prefeitura de Fortaleza definiu uma casa para abrigar os venezuelanos.
Além disso, o Executivo municipal assegurou a alimentação e que os
órgãos envolvidos estão articulando para garantir as demais assistências
aos imigrantes.
Dia a dia em Fortaleza
Ignácio Torres divide um quarto com outras seis
pessoas - os próprios familiares e uma família que conheceu em Manaus. O
agricultor de 35 anos chegou a Manaus em 2017 com o irmão, a esposa e
os filhos; desde então, viveu alguns meses em abrigos, mas o que deseja
mesmo é conseguir emprego e uma casa para viver melhor. Na Venezuela,
Ignácio conta que plantava “de tudo” e perdeu o plantio depois de uma
grande chuva.
Em Fortaleza, a família de Ignácio está junto com a de
Nasário Cortez, 27. Cortez veio para o Brasil com a esposa, Erni Rahia,
23, em outubro de 2018, após os três filhos do casal morrerem em solo
venezuelano. O pai conta que as crianças, de 8 meses, 2 anos e 3 anos,
contraíram uma grave doença e morreram em alguns dias. No país de
origem, a família sobrevivia do que cultivava e criava na comunidade
indígena.
Sobrevivência
Para pagar o aluguel diário em Fortaleza, que varia
entre R$ 15 e R$ 20 (por cada quarto), os refugiados dependem de doações
que pedem nos semáforos. Segundo Nasário Cortez, com o dinheiro que
conseguem pela manhã, eles pagam o aluguel e compram o almoço. Em dias
de chuva, como esta quarta-feira, 22, o alimento precisa vir de doações.
Quando a reportagem do O POVO Online estava saindo da
casa em que estão, duas pessoas chegaram com quentinhas para as
famílias. Em breve conversa, explicam que avistaram uma das mulheres
pedindo dinheiro no semáforo e se compadeceram da situação dos
venezuelanos após visitarem o local.
Ignácio Torres conta que em cinco dias em Fortaleza e
sem a assistência pública, as fraldas das crianças estão acabando.
Dormindo com até sete pessoas em colchões no chão de quartos de cerca de
10 m², o calor que um único ventilador não aplaca e a água da chuva que
vem do telhado e do corredor perturbam o dia a dia das crianças. Elas
passam a maior parte do tempo brincando na calçada em frente à casa.
Medidas públicas
A Comissão de Direitos Humanos da OAB-CE e a Pastoral
do Migrante vem ajudando as famílias e acompanhando o caso. Em reunião
entre as instituições e a vice-governadora do Ceará, Izolda Cela, na
manhã desta quarta-feira, 22, foi discutida a formação de um rede de
acolhimento para assistir as famílias. “Igreja, sociedade civil e poder
público estão se organizando para dar uma resposta e encaminhar todos os
direitos humanos básicos - moradia, educação, saúde”, explicou Idalina
Pellegrine após o encontro.
Segundo Virgínia Porto, da OAB-CE, grupos de trabalho
de assistentes sociais do Município e secretarias do Governo do Estado,
especialmente a Secretaria da Cidadania e Direitos Humanos, “estão
colhendo informações e dados e repassando para os gestores das pastas”. A
vice-governadoria afirma que a Secretaria da Proteção Social, Justiça,
Mulheres e Direitos Humanos também está providenciando medidas para o
acolhimento do grupo.
Em busca de refúgio
De acordo com dados do relatório Tendências Globais –
Deslocamentos Forçados, publicado pela Agência das Organizações das
Nações Unidas para Refugiados (Acnur), o número de estrangeiros à
procura de proteção no Brasil em 2017 chegou a 85.764 pessoas, um
aumento de 118% em relação a 2016.
Dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública
mostram que o Ceará é o terceiro estado com mais pedidos de solicitação
de refúgio emitidos para venezuelanos no primeiro semestre de 2018.
Foram 342 pedidos só de janeiro a junho daquele ano.
Marcela Tosi/Especial para O POVO