quinta-feira, 23 de maio de 2019

Cerca de 90 venezuelanos estão vivendo em situação sub-humana no Centro.

Pelo menos três ônibus com refugiados venezuelanos chegaram a Fortaleza na última quinta-feira, 16. Nascidos no país que enfrenta grave crise humanitária, os imigrantes vêm peregrinando pelo Brasil: de Manaus passaram por Belém e agora estão no Ceará. Crianças, adolescentes e mulheres grávidas vivem em quartos alugados em imóveis em péssimas condições no Centro da Capital.
 “Esse grupo de venezuelanos que chega é uma nova demanda, porque nós já acompanhamos há um ano migrantes que vêm da Venezuela com qualificação, mas agora é uma comunidade indígena com uma organização própria e uma cultura diferente desses que nós atendemos”, explica a irmã Idalina Pellegrine, representante da Pastoral do Migrante. Idalina contabiliza que são cerca de 90 pessoas, entre elas 25 crianças.
Virgínia Porto, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-CE, explica que a situação de refúgio do grupo na Capital “fica ainda mais complexa pois eles estão em uma área já vulnerabilizada do Centro”. A presidente da Comissão conta que em Belém os imigrantes receberam propostas de trabalho, mas se tratava de uma situação análoga à escravidão. Esta foi uma das razões de migrarem mais uma vez dentro do Brasil, chegando a Fortaleza.
Outro fator que complexifica o atendimento aos venezuelanos é a ausência de locais especializados para atender às necessidades de imigrantes e refugiados. “Em Fortaleza, existem equipamentos de acolhimento para a população em situação de rua e o Centro Pop, para documentação e alimentação, mas não existe um local específico para a população migrante”, pontua Lucas Guerra, membro da Comissão da OAB-CE.
Por meio de nota, a Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos informou que a Prefeitura de Fortaleza definiu uma casa para abrigar os venezuelanos. Além disso, o Executivo municipal assegurou a alimentação e que os órgãos envolvidos estão articulando para garantir as demais assistências aos imigrantes.
Dia a dia em Fortaleza
Ignácio Torres divide um quarto com outras seis pessoas - os próprios familiares e uma família que conheceu em Manaus. O agricultor de 35 anos chegou a Manaus em 2017 com o irmão, a esposa e os filhos; desde então, viveu alguns meses em abrigos, mas o que deseja mesmo é conseguir emprego e uma casa para viver melhor. Na Venezuela, Ignácio conta que plantava “de tudo” e perdeu o plantio depois de uma grande chuva.
Em Fortaleza, a família de Ignácio está junto com a de Nasário Cortez, 27. Cortez veio para o Brasil com a esposa, Erni Rahia, 23, em outubro de 2018, após os três filhos do casal morrerem em solo venezuelano. O pai conta que as crianças, de 8 meses, 2 anos e 3 anos, contraíram uma grave doença e morreram em alguns dias. No país de origem, a família sobrevivia do que cultivava e criava na comunidade indígena.

Sobrevivência
Para pagar o aluguel diário em Fortaleza, que varia entre R$ 15 e R$ 20 (por cada quarto), os refugiados dependem de doações que pedem nos semáforos. Segundo Nasário Cortez, com o dinheiro que conseguem pela manhã, eles pagam o aluguel e compram o almoço. Em dias de chuva, como esta quarta-feira, 22, o alimento precisa vir de doações.
Quando a reportagem do O POVO Online estava saindo da casa em que estão, duas pessoas chegaram com quentinhas para as famílias. Em breve conversa, explicam que avistaram uma das mulheres pedindo dinheiro no semáforo e se compadeceram da situação dos venezuelanos após visitarem o local.
Ignácio Torres conta que em cinco dias em Fortaleza e sem a assistência pública, as fraldas das crianças estão acabando. Dormindo com até sete pessoas em colchões no chão de quartos de cerca de 10 m², o calor que um único ventilador não aplaca e a água da chuva que vem do telhado e do corredor perturbam o dia a dia das crianças. Elas passam a maior parte do tempo brincando na calçada em frente à casa.
Medidas públicas
A Comissão de Direitos Humanos da OAB-CE e a Pastoral do Migrante vem ajudando as famílias e acompanhando o caso. Em reunião entre as instituições e a vice-governadora do Ceará, Izolda Cela, na manhã desta quarta-feira, 22, foi discutida a formação de um rede de acolhimento para assistir as famílias. “Igreja, sociedade civil e poder público estão se organizando para dar uma resposta e encaminhar todos os direitos humanos básicos - moradia, educação, saúde”, explicou Idalina Pellegrine após o encontro.
Segundo Virgínia Porto, da OAB-CE, grupos de trabalho de assistentes sociais do Município e secretarias do Governo do Estado, especialmente a Secretaria da Cidadania e Direitos Humanos, “estão colhendo informações e dados e repassando para os gestores das pastas”. A vice-governadoria afirma que a Secretaria da Proteção Social, Justiça, Mulheres e Direitos Humanos também está providenciando medidas para o acolhimento do grupo.
Em busca de refúgio
De acordo com dados do relatório Tendências Globais – Deslocamentos Forçados, publicado pela Agência das Organizações das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), o número de estrangeiros à procura de proteção no Brasil em 2017 chegou a 85.764 pessoas, um aumento de 118% em relação a 2016.
Dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública mostram que o Ceará é o terceiro estado com mais pedidos de solicitação de refúgio emitidos para venezuelanos no primeiro semestre de 2018. Foram 342 pedidos só de janeiro a junho daquele ano.

Marcela Tosi/Especial para O POVO

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