Dentre as medidas que o governo Jair Bolsonaro (sem partido) estuda
para reduzir o impacto do aumento dos preços dos combustíveis, sem
interferir na política da Petrobras, está a criação de um "voucher
caminhoneiro". A ideia seria calcular uma média dos quilômetros rodados e
do consumo de diesel. Quando o preço aumentasse, os profissionais
teriam uma restituição do valor equivalente à tributação federal, hoje,
PIS/Cofins.
Os defensores da medida dizem que a iniciativa é muito mais barata do
que uma isenção para toda a população. No entanto, críticos apontam
incoerência na criação de uma "bolsa caminhoneiro" quando o país busca
uma solução fiscal para o auxílio emergencial.
Auxiliares de Bolsonaro, porém, veem mais viabilidade em outra medida
sobre a mesa: a criação de um fundo com excedentes de royalties para
pagar a Petrobras e importadores quando houver oscilação nos preços. A
criação deste colchão foi discutida em 2018, durante a greve dos caminhoneiros
no governo Michel Temer (MDB). O vice-presidente Hamilton Mourão disse
nesta segunda-feira (22) ver a criação do fundo como a única saída.
"Na minha visão, a solução para isso é se a gente conseguisse criar
um fundo soberano com base nos royalties do petróleo, e este recurso,
quando houvesse essas flutuações, fosse usado para amortecer os
aumentos. Não tem outra solução fora disso aí", disse Mourão.
A medida conta com apoio de representantes do primeiro escalão do
governo, como o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas,
principal interlocutor do Palácio do Planalto com os caminhoneiros
-categoria que, mesmo difusa, pressiona pela redução no preço dos
combustíveis.
A iniciativa, porém, encontra resistência no Ministério da Economia.
De acordo com integrantes do governo, a pasta é contra por ser
refratária à criação de fundos.
Pacote de bondade
Um pacote de bondades para os caminhoneiros está em estudo no Executivo,
apesar de ainda não haver uma data para ser formalmente apresentado.Uma
das medidas sobre a mesa é alteração na regra da pesagem, reivindicação
antiga dos condutores.
O governo pondera que, ao alterar a regra, haverá reação imediata das
concessionárias de rodovias. Por isso, está sendo analisado como
garantir o reequilíbrio dos contratos, que devem ser impactados em 2% a
4%. Também está no radar do Executivo uma medida para reduzir o número
de caminhões em circulação, o que poderia garantir um reequilíbrio no
mercado, hoje com mais oferta que demanda.
A ideia é pedir para que, voluntariamente, caminhoneiros vendam seus
veículos para o governo e façam cursos de requalificação no Sistema
S. Uma possibilidade seria usar recursos de compensação ambiental da
Petrobras, já que a saída de circulação de caminhões antigos poderia ser
enquadrada como medida de âmbito ecológico devido à redução de CO2.
Ações
O temor de inferência na política de preços da Petrobras tomou o mercado
nesta segunda (22) e fez a empresa derreter. As ações da petroleira
caíram mais de 20% e derrubaram outras estatais. Nesta terça as ações
preferenciais (sem direito a voto) subiram pouco acima der 9%, e as
ordinárias, cerca de 12%.
"O que eu interferi na Petrobras? O que eu falei para baixar o preço
[dos combustíveis]? Nada, zero", disse Bolsonaro a apoiadores nesta
terça-feira (23). A crise começou por causa da comunicação truncada do
presidente. Na live semanal de quinta-feira (18), ele disse que haveria
mudanças na Petrobras.
Cerca de 24 horas depois, anunciou a intenção de substituir o atual
presidente da petroleira, Roberto Castello Branco, pelo general Joaquim
Silva e Luna. A troca ainda precisa ser aprovada pelo conselho de
administração, reunido nesta terça. O mandato de Castello Branco já
estava previsto para terminar em 20 de março. Auxiliares de Bolsonaro
tentaram convencê-lo a fazer a troca de maneira menos traumática, mas
não obtiveram sucesso.
Já no fim de semana, o presidente Bolsonaro afirmou ainda que pretende "meter o dedo na energia elétrica".
Sobre a Petrobras, o presidente relatou a pessoas próximas que havia
perdido a confiança em Castello Branco e que vinha sendo surpreendido
pelos sucessivos aumentos nos preços dos combustíveis, sendo informado
pela imprensa, sem a possibilidade de preparar politicamente o terreno
para a notícia.
Além disso, questões menores irritaram Bolsonaro. Ele se incomodou,
por exemplo, com o fato de o presidente da Petrobras aparecer em reunião
e entrevista ao lado dele com máscara e óculos de proteção. O chefe do
Executivo também não escondeu irritação com o fato de, por causa da
pandemia de Covid-19, Castello Branco estar trabalhando de casa, em home
office.
Bolsonaro ainda anunciou na semana passada isenção, a partir de 1º de
março e por tempo indefinido, de PIS/Cofins do gás de cozinha. Também
haverá isenção destes impostos para o diesel, mas apenas durante dois
meses. O governo não indicou como fará a compensação destes benefícios.
Interlocutores do presidente da República argumentam que não há
previsão de greve e que as iniciativas envolvendo os preços dos
combustíveis têm cunho social e não visam apenas os caminhoneiros, mas
também condutores de van, entregadores, motoristas de aplicativo e
consumidores de gás.
No entanto, há viés eleitoreiro nas medidas que contrariam o mercado
financeiro e acenam para uma categoria que é base política para os
planos de Bolsonaro em 2022.
dn