A crônica da tentativa de roubo do caixa eletrônico do Banco do Brasil de Miraíma (190 km de Fortaleza) é emblemática e pode ser resumida assim: o sargento da PM Francisco da Silva Árnou, 54, interrompe a conversa para dizer que Deus está a caminho. Todavia, não há o que temer. O policial, que continuaria a falar por alguns minutos sobre redenção e crença em Deus, também lembrou que, há duas semanas, sentiu uma opressão no espírito que não tinha tamanho. “Um medo terrível de morrer.” No auge da aflição, usou a fé como defesa: “Não faça isso. Eu sou ‘irmão’.”
Árnou e o soldado Cícero Romão Domingos Lopes, 39, estreavam na vigília da pequena cidade. Pertenciam ao batalhão da vizinha Itapipoca, mas haviam sido transferidos, e agora representavam o único anteparo entre a criminalidade e os 13 mil habitantes cujo maior susto até ali tinha sido um ou outro roubo de galinha. E o maior estampido escutado eram os fogos de artifício nas festas juninas.
Naquela noite quarta-feira, 30 de março, os dois eram a PM cearense no município, que tem uma farmácia, uma rua larga, um mecânico, uma igreja, um bar com sinuca, um sem sinuca e dois caixas de banco. Estavam sentados debaixo de uma árvore na calçada da avenida Lindolfo Braga. Lá funciona o destacamento da PM, um imóvel que, “quando, chove, molha tudo e as lâmpadas não acendem”. E, “dia sim, dia não, falta água”.
Passava das 22 horas. Os cinco homens desceram do carro, apontaram fuzis para a dupla e pediram: deitem-se no chão. Não foi difícil. Afinal, tinham dado de cara com um efetivo minguado, desfalcado (o terceiro plantonista estava de licença médica) e a pé, visto que havia quase 15 dias a viatura estava no conserto. “Nós deitamos, claro”, conta Árnou, já refeito do susto. “Os marginais vestiam balaclava, luvas pretas e colete à prova de bala. Usavam fuzis e pistolas. Mas eram amadores. Ficaram 15 minutos aqui e discutiram muito”. Não sabiam se punham os homens de bruços ou de costas para o chão.
O restante do tempo foi gasto na malfadada tarefa de suspender o caixa eletrônico e depositá-lo no carro, mas os R$ 400 mil confinados na máquina recusaram-se a seguir viagem. Segundo os policiais, foram quarenta minutos de terror, durante os quais tiros foram disparados na direção de quem passasse na praça àquela hora. Três pessoas que sacavam dinheiro foram obrigadas a cooperar para que a ilicitude alcançasse o objetivo.
Uma jovem foi baleada na clavícula, mas passa bem. Na fuga, tomados como reféns, os PMs atravessaram dois quilômetros de estrada esburacada no bagageiro apertado da caminhonete, que foi abandonada logo à frente e, em seguida, incendiada. “Quando chegou num ponto, eles mandaram a gente descer”, diz o praça. “Ainda levamos carreira de cachorro”, completa o sargento.
Mesmo acossados por cães no caminho de volta, mal bateram os pés na parte urbana de Miraíma, o susto foi grande: “O pessoal aplaudiu, foi legal. Diziam que a gente era herói”, relembra Cícero. Mas os assaltantes compensaram a falta do dinheiro fazendo “compras” no destacamento da PM, de onde saíram com seis coletes à prova de balas, seis pares de algema e armas. Enquanto abarrotavam o carro com munição e armas de uso exclusivo da Polícia, Árnou, temendo pela própria vida, interpelou um dos criminosos: “Não faça isso. Eu sou ‘irmão’.”
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