“Eu tenho medo”. As justificativas dão seguimento às primeiras palavras. O passado e o presente se misturam, sem transformações, pelas histórias de “quase dez anos de sofrimento”, vividas sobre o lixão desativado mais preocupante de Fortaleza. É fácil entender o temor. A narração vem de uma voz que briga com o choro para escapar e parece legendar o que a visão capta, aflita.
Hoje, no lado do Jangurussu localizado à frente da avenida presidente Costa e Silva, em um barraco no pé da rampa, dona Francisca Castro da Silva, 61, mora sozinha com o neto Richard, 6. Sentada na varanda improvisada, na morada de papelão e lona, ela discorre sobre a vida difícil.
“Quando chove, não durmo direito com medo do lamaçal, que desce da rampa, levar meu canto”. Acerca da possibilidade de emissão de gás metano, pelo morro de lixo, ela não hesita. “Tem dias que a impressão que se tem é que tem um bujão fugindo gás perto da gente”.
De 1978 a 1998, o Jangurussu concretizou o desrespeito, o subumano. Os resíduos, simplesmente, colocados em valas e cobertos com areia, eram o sustento e a dignidade dilacerada de catadores que quantificavam 501, à época da desativação. Pessoas fugitivas da Polícia, dependentes químicos e muitas crianças e adolescentes cheiravam cola e se alimentavam de sobras que existiam nas 2.800 toneladas de lixo despejadas no local, diariamente. Viviam em meio a nuvens de urubus e fumaça, oriunda da queima espontânea do lixo, pela liberação do gás metano.
Em abril de 1997, a usina de triagem foi inaugurada. No mesmo ano, a estação de transbordo foi iniciada, em fase de testes. O atual aterro sanitário, de Caucaia, pronto desde 1992, seria o próximo destino de todo o lixo produzido na Capital. Somente em março de 1998, o convênio entre Governo do Estado e Prefeitura de Fortaleza foi assinado para utilização do aterro. O julho de 1998 trouxe o fim dos despejos dos resíduos no Jangurussu, mas não das consequências de 20 anos de desleixo com o humano e o ambiente.
Perigos à espreita
Os perigos não se encerram na emoção de dona Francisca. Moradores de cerca de 20 outros casebres, no mesmo local, dividem os lamentos. As lagoas de tratamento do chorume, mantidas pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), exalam constante mau cheiro. O improviso de tentar usufruir de energia elétrica e água encanada deixa rastros de descuido. Crianças brincam próximo a fios desencapados, em meio a lama que se forma da água que escapa dos canos mal instalados e se junta ao chorume que escorre da rampa.
“Nosso filhos vivem cheios de coceira, gripados. Essas lagoas poluídas não têm nenhuma proteção. Fico com medo das crianças cairem nela”, diz o reciclador Anderson Nascimento Costa, 25.
ENTENDA A NOTÍCIA
Considerado bomba relógio por ambientalistas, o Jangurussu amarga ativamente as consequências de ter sido um lixão por 20 anos. Ele apresenta perigos reais para o meio ambiente e para a população do entorno.
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Sem solução
De acordo com o presidente da Fundação de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza (Habitafor), Roberto Gomes, a comunidade do Jangurussu não está classificada como prioridade nos programas habitacionais da Prefeitura, por não ter participado do Orçamento Participativo, que determina tal classificação.
Segundo ele, o aluguel social, com duração máxima de um ano, é uma estratégia emergencial e não garante moradia para as famílias.
“Estamos fazendo o possível, mas não temos como resolver, agora, a situação habitacional do Jangurussu”, diz Roberto .
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