Sob o forte sol na cabeça e com os pés no solo arenoso de Exu, em
Pernambuco, foi gravada uma nova produção sobre Luiz Gonzaga do
Nascimento — o Rei do Baião. Com participação de cearenses, a ficção
remonta a infância do sanfoneiro. O dono de um sorriso marcante do
município de Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza, é o principal
personagem de “Légua Tirana”, assinada pelos diretores Marcos Carvalho e
Diogo Fontes. O pequeno cantor e sanfoneiro Kayro Oliveira, 12 anos, dá
vida à principal fase de descobertas de Gonzagão. Quem também participa
do longa é o sanfoneiro e ator Chambinho do Acordeon, nome que ganhou o
cinema nacional em “Gonzaga: de Pai pra Filho”.
De uma comunidade indígena, Kayro Oliveira foi apresentado ao Brasil no
programa The Voice Kids em 2018. O trabalho do pequeno prodígio chegou
em 2019, por meio da TV Globo, nas mãos dos diretores de “Légua Tirana”.
Na avaliação de Marcos Carvalho, Kayro é tão bom ator quanto
sanfoneiro. “Ele foi uma dádiva. Um presente que ganhamos. Houve um
processo seletivo. Tivemos parceria com emissoras de TVs que ajudaram
nesse processo. Sentimos que ele poderia ser nosso Rei do Baião quando
criança. Fizemos alguns testes e não ficamos com nenhuma dúvida. Tinha
de ser ele. Luiz Gonzaga habita essa criança. Ele conhece muito bem até
os trejeitos”.
Sem timidez, Kayro contou ao Verso o sentimento de gravar o primeiro
filme. “Eu era o único menino mais parecido com o seu Luiz Gonzaga, além
de tocar sanfona e ser nordestino. Temos umas qualidades parecidas que
eles disseram. Eu não sei o que é”, fala com um sorriso no rosto. O
cearense conta que passou dois meses em Exu. As semanas foram divididas
entre as gravações e as atividades escolares.
Uma das cenas mais complexas na visão de Kayro foi a de uma surra que
Gonzagão levou na infância, na qual o pequeno ator teve que fingir
sentir dor. “A cena da ‘pisa’ foi a mais difícil. Vai muito do ator de
se expressar. Eu tinha que fazer careta”, relembra.
Experiência
Já mais acostumado com as câmeras, Chambinho do Acordeon, residente de
Fortaleza, conta que Kayro ligou logo após receber a informação que
participaria da produção cinematográfica. “Ele me ligou todo alegre e
disse: ‘Chambinho! O que diabo é esse negócio de laboratório de ator?’
Quando eu cheguei no dia da filmagem, ele já estava falando o nome dos
equipamentos, já estava todo por dentro”, lembra o sanfoneiro.
Para o novo filme, Chambinho revela que o sentimento na atuação foi
diferente da primeira produção. “Passado quase sete anos, a figura de
Luiz Gonzaga tem um peso. Principalmente para os sanfoneiros. Eu sempre
penso na quantidade de pais de família que empregam funcionários,
alimentam seu filho por meio do forró. Quando vem Luiz na cabeça me vem o
forró. Agora, são macetes ensinados de Januário para Luiz Gonzaga. São
cenas na roça e também indo para feiras tocar”, diz o músico.
Apesar do nascimento de mais uma produção sobre Luiz Gonzaga, Chambinho
do Acordeon afirma que as empresas poderiam investir mais, além do poder
público. “É a nossa essência e DNA em termos de cultura. Cada vez mais,
o cinema cresce. Nossa sétima arte está em evidência. Sinto preocupação
com a falta de investimentos. As empresas poderiam entrar um pouquinho
mais com apoio”, reforça o músico.
Ele ainda comenta sobre a receptividade internacional da história de
Gonzagão nas telonas: “em Moscou, por exemplo, fui para uma premiação
com quatro brasileiros. A gente viu russo chorando com o nosso primeiro
filme de Luiz Gonzaga. Esse novo já era pra ter lançado. Espero que o
governo olhe para o cinema com mais carinho. Temos uma cadeia produtiva
gigantesca. São hotéis com hospedagem, carros alugados, figurinos, uma
logística grande. Só tenho a dizer viva Luiz Gonzaga e viva o cinema
nacional”.
Desafios
Para que tudo saísse do papel, o diretor Marcos Carvalho teve o
projeto do filme aprovado no VIII Edital de Fomento ao Audiovisual do
Estado de Pernambuco. “Légua Tirana” contratou diretamente 108
profissionais, entre atores, técnicos e mão de obra local. O Ceará teve
participação representativa além do elenco.
Jovens egressos do Sistema Socioeducativo cearense, de cidades como
Sobral e Juazeiro do Norte, atuaram na produção. “Em 2017, nós estivemos
no Estado, por meio de uma parceria com a direção do Sistema
Socioeducativo. Levamos as oficinas do projeto ‘Cinema no Interior’. O
filme é uma etapa profissionalizante desse nosso projeto”. Para
ambientar a infância de Luiz Gonzaga, diversos espaços da cidade
estiveram no roteiro. O património arquitetõnico da cidade de Exu chegou
a ser recuperado nas gravações. “Januário chega em 1909, em Araripe.
Luiz Gonzaga nasce em 1912. Ele sai do Araripe em meados de 1930 e
retorna em 1946. O filme se passa em 1922, aos 10 anos de Luiz, e vai
até 1930, quando chega aos 18 anos. Nós precisávamos que o cenário
estivesse condizente com aquele período histórico. Fachadas foram
recuperadas. É linda a paisagem”, comenta o diretor. A produção ainda
reformou a Vila de Tabocas, um vilarejo na cidade de Exu.
“Simboliza aquela terra no início do Século XX. Foi feito restauração
das casas da via principal e da zona rural. Foi um retorno do filme
para o povo de Pernambuco”. Marcos Carvalho aponta como peça-chave da
ficção, a própria Chapada do Araripe. “Temos sempre locações voltadas
para a chapada. Da casa da caiçara, onde Luiz nasce, até a casa da
pamonha, do padrinho de Luiz Gonzaga. O paredão abraça a cidade e também
simboliza uma prisão para ele. Como a própria mãe, em querer que ele
não saia da cidade. A região de Exu possui casas históricas se
centenárias. A zona rural é riquíssima. Basta lembrar de nomes como
Bárbara de Alencar. Existe a casinha dela que virou museu. Muitos
casarões foram usados”.
As gravações da produção cinematográfica foram finalizadas. Os diretores
aguardam um novo edital público para iniciar o processo de finalização e
edição, com previsão de ser lançado ainda neste mês. De forma otimista,
o filme deve ficar pronto no fim deste ano. A meta é lança-ló no
primeiro semestre de 2020. “Nós concluímos as filmagens e agora estamos
no processo para fazer a finalização. Estamos aguardando se resolver o
atual cenário para iniciar essa etapa de edição. Acreditamos muito na
obra e da importância de se ter esse filme em memória e homenagem a um
do maiores ícones da música e da cultura nordestina. Tivemos a grata
satisfação da família endossando o projeto. Tudo se projeta para
colhermos bons frutos com a veiculação dessa produção”, afirma Marcos
Carvalho. Além de concorrer a premiações internacionais, Marcos Carvalho
avalia que o trabalho visa fomentar a formação de novos atores.
“Só de criança foram mais de 900 testes para compor esse elenco do
filme. Nossa intenção é fortalecer o acervo da cultura gonzaguiana”. O
diretor pensa em lançar a produção nas principais capitais do Nordeste.
Em Fortaleza, ele projeta uma futura exibição no Cineteatro São Luiz.
dn