Você e um amigo estão contando para outros amigos sobre uma viagem que fizeram. Mas acabam discordando em alguns pontos. “Não, isso aconteceu no dia x, não no dia y”, “Você está confundindo tudo, nós estávamos no lugar z quando isso aconteceu!”, “Eu nunca disse isso!”. Parece familiar? A verdade é que nossa memória nos engana e às vezes parece difícil diferenciar o que realmente aconteceu daquilo que pensamos ter ocorrido. Mas algumas pessoas são melhores do que outras nisso. Por quê?
Segundo cientistas da Universidade de Cambridge, a explicação pode estar na variação estrutural em uma dobra na parte da frente do cérebro chamada sulco paracingulado (ou PCS, em inglês). Essa variação, que está presente em cerca de metade da população normal, é uma das últimas pregas que se desenvolvem antes do nascimento e, por isso, varia muito de tamanho entre as pessoas saudáveis. Ou seja, você pode ter ou não o PCS (essa dobrinha no cérebro) e ele pode ser mais ou menos acentuado – mas, até onde se sabe, isso não tem grandes implicações na sua inteligência. Só que, de acordo com o estudo de Cambridge feito no fim do ano passado, essa diferença pode explicar por que algumas pessoas são melhores que outras em lembrar com precisão detalhes de conversas e eventos ocorridos, bem como em saber diferenciar se o evento foi imaginado ou realmente ocorreu.
Os pesquisadores recrutaram 53 voluntários saudáveis que se dividiram em dois grupos: um formado por pessoas com uma presença acentuada da dobra cérebro e outro com aqueles que não a possuíam. Os participantes receberam então pares de palavras, como “Laurel e Hardy”. Depois, fizeram uma série de testes de memória. Em um deles, recebiam só uma das palavras e tiveram que dizer qual era a segunda. Em outro, foi pedido a cada um que imaginasse outra palavra para formar par com uma que já tivesse sido apresentada. Depois de um tempo, eles tiveram que lembrar se tinham visto de verdade ou imaginado a segunda palavra de cada par. Resultado: participantes sem o PCS em nenhum dos hemisférios cerebrais foram significativamente pior que os outros. E olha que todos eles acreditavam ter boa memória!
Jon Simons, do Departamento de Psicologia Experimental e do Comportamento e do Instituto de Neurociência Clínica da Universidade de Cambridge, liderou a pesquisa e se disse surpreso com o resultado, já que as diferenças observadas na memória dos voluntários foram grandes e todos eram adultos saudáveis e sem história relatada de dificuldades cognitivas. Além disso, essa descoberta pode ser útil no estudo da esquizofrenia. Simons acredita que as vozes que os doentes frequentemente dizem ouvir podem vir da dificuldade em distinguir o real do imaginário. “A ausência dessa dobra cerebral já havia sido observada em estudos anteriores de esquizofrenia e os nossos resultados são consistentes com a idéia de que essa variabilidade estrutural pode influenciar diretamente a capacidade funcional de áreas cerebrais vizinhas e as habilidades cognitivas que apoiam”, explicou.
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