segunda-feira, 21 de maio de 2012

Juízes contrariam nova lei de estupro

Desde 2009, todo ato de cunho sexual praticado com menor de 14 anos, mesmo com consentimento, é considerado crime de estupro de vulnerável. Levantamento junto às decisões dos Tribunais de Justiça de todo o país mostra que, mesmo após alterações do Código Penal, juízes e desembargadores continuam absolvendo réus.
A questão voltou a ser discutida depois que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) absolveu um acusado de estupro de uma menina de 13 anos porque ela se prostituía. Para criminalistas, o entendimento estava correto porque o caso ocorreu antes da edição da nova lei do estupro. Se tivesse ocorrido depois, a absolvição já não mais se justificaria.
Levantamento com 752 decisões de segunda instância disponíveis nos Tribunais de Justiça de todo o país (parte está em segredo de Justiça ou não foi publicada) mostra decisões que absolveram réus mesmo para casos ocorridos após a Lei 12.015/2009. Em primeira instância, esses processos correm em segredo de justiça.
É permitido aos juízes dar novas interpretações às leis, o que, na prática, acaba criando direitos. Nas decisões, os desembargadores criticam a legislação atual, que impede, segundo eles, o bom senso nos julgamentos.
O descontentamento foi um dos motivos para a proposta de alteração do estupro de vulnerável no Código Penal, segundo o procurador da República Luiz Carlos Gonçalves, relator do anteprojeto de reforma no Senado. “Estamos concordando em parte com essa crítica e reduzindo a idade de consentimento para 12 anos”, afirmou ele.
Entenda a polêmica
A Lei 12.015/2009 criou no Código Penal a figura do ‘estupro de vulnerável’, tornando crime qualquer ato de cunho sexual com menores de 14, incluindo um simples beijo na boca. Pela lei, mesmo sem violência, as vítimas são consideradas, pela idade, desprotegidas, vulneráveis. Antes, a discussão era sobre se houve violência no ato: uma corrente defendia a presunção relativa (a aparência, conhecimento, vida sexual anterior e o consentimento da vítima poderiam absolver o réu) e outra a absoluta (qualquer caso deveria levar à condenação, pela presumida violência).
“A nova lei inteligentemente fala em praticar ato sexual com vítima vulnerável. Ela pode ter capacidade de entender o que está fazendo, mas, mesmo sabendo, não importa”, afirma o procurador de Justiça licenciado Fernando Capez. “Não há o que se falar em presumir ou não violência, essa expressão ficou ultrapassada.”
Para Fábio Aguiar Munhoz Soares, juiz da 17ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, a lei atual é “exagerada” e não é impassível de interpretação. “Se fosse levar a lei ao pé da letra, teria que condenar e ponto final. Mas temos que pensar: para que serve o juiz? Ele é um mero aplicador da lei? Se pensarmos assim, estaremos desprezando a função de julgar”, afirma. “Toda vez que a lei fixa a situação de idade, cabe ao juiz dizer. Assim ajuda a fazer a lei.”
Aos 13 anos
A maioria das vítimas nos processos consultados pelo G1 tem 13 anos e sofreu o abuso dentro de casa, pelo pai ou padrasto, ou denunciou uma pessoa conhecida: um vizinho, o professor, o motorista do transporte escolar ou um amigo próximo da família.
Foram encontradas 46 decisões para crimes ocorridos após a lei, contendo algum tipo de discussão sobre as alterações no Código Penal. São os primeiros processos que começam a chegar aos Tribunais de Justiça. Para que um caso seja julgado por um grupo de desembargadores, primeiro é preciso que o Ministério Público denuncie o acusado, que ele se torne réu, seja julgado por um juiz, que profere uma sentença para absolver ou condenar, e um recurso seja apresentado. O trâmite pode levar anos.
Do total de 46 acórdãos, 26 foram para condenar os réus e 15 foram para absolver. O restante se refere a medidas socioeducativas (a punição aplicada a menores). Na faixa entre os 12 e 13 anos, está a maior parte das absolvições que levam em conta o consentimento. Foram 14 condenações e 8 réus absolvidos porque a vítima consentiu a prática. Em quatro acórdãos, o acusado havia sido condenado em primeira instância.

oestadoce.

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