O instante-agora sempre será a insígnia das pessoas destinadas à imortalidade. São feitas do presente e, por isso, é impossível referenciá-las num tempo que não seja esse. Não à toa, todos que falam de Bia Perlingeiro agem assim: evocam a ternura que caminha com ela e que nunca deixará de estar porque é tesouro vivo, confundido com o infinito.
“Devemos muito a Bia. Ela tem um papel fundamental na arte cearense nos últimos 32 anos. Com sua delicadeza, discrição e larga intuição, contribuiu para um salto qualitativo na apreciação da arte em Fortaleza”, afirma Dodora Guimarães, curadora de arte e presidente do Instituto Sérvulo Esmeraldo.
A memória que traz em palavras neste momento é justificada: importante nome do circuito de arte cearense, Bia faleceu na tarde deste sábado (4), no Rio de Janeiro.
Ficou, porém, e com farta quantidade de pessoas, um legado incontornável de altivez e protagonismo. Com o marido, o também galerista e editor Max Perlingeiro, com quem estava casada há 30 anos, ela era responsável pela Multiarte, prestigiada galeria em Fortaleza, responsável por trazer importantes exposições, como a “Irmãos Campana” e "Leonilson por Antonio Dias - Perfil de uma coleção”.
O casal também administrava as sedes de São Paulo e do Rio de Janeiro da Pinakotheke Cultural, que já recebeu mostras de artistas como Tomie Ohtake e Candido Portinari.
Em solo cearense, Bia comandava os Grupos de Estudos Multiarte, frutos de apurada inspiração, trabalho e competência. O projeto, de cunho bastante pessoal, foi idealizado por ela como forma de estreitar conexões e promover um ambiente de diálogos e reflexões sobre o panorama da arte
AMPLITUDES
Nas redes sociais da Multiarte, o esposo e o filho do casal, Victor Perlingeiro, anunciaram o falecimento, pedindo conforto para enfrentar uma “dor imensurável”. “Agradecemos imensamente o tempo que pudemos conviver com ela, mulher, mãe, amiga, irmã, profissional ímpar, que deixa um lindo legado de amor, firmeza e coragem. Que possamos mantê-la em nossa lembrança e corações como a pessoa que ela sempre foi”, escreveram.
Por sua vez, diversos amigos e admiradores da trajetória de Bia expressaram o carinho alimentado por ela. A pesquisadora de arte Carol Vieira recorda da proximidade com uma mulher cheia de virtudes. Elas estreitaram os laços após uma feira de arte em São Paulo, há seis anos. Na ocasião, foi convidada para participar de um dos grupos de pesquisa da Galeria Multiarte.
Randal Pompeu, vice-reitor de extensão da Universidade de Fortaleza (Unifor), a conheceu na década de 1980 e, desde a data, evoca a admiração pela caminhada que trilhou. “O Ceará tem uma grande perda de uma grande incentivadora das artes. Ela era uma pessoa realmente iluminada, que sabia dividir alegria e fraternidade por onde ela passava”.
O arquiteto Marcus Novais, por sua vez, referencia a profissional como uma preciosa e insubstituível amiga. “Vou lembrar sempre dela como uma mulher diferenciada, doce, guerreira, de alma iluminada e essência transformadora, com uma sensibilidade única para perceber o outro, sempre pronta e presente. Deixa- nos um lindo legado ao universo das artes na nossa cidade e um norte nos caminhos a seguir”.
Para o artista plástico Sério Helle, Bia era sinônimo de generosidade. Ele frequentava sua galeria há três décadas, quando alí era estudante. “A gente estudou junto no Colégio Cearense. Ela montou grupos para que as pessoas estudassem arte na galeria, contratava professores. Não conheço ninguém nessa cidade que tenha feito mais pela arte do que a Bia”, relata. Sérgio a encontrou pela última vez no dia 11 de março deste ano. “Ela era uma pessoa cheia de planos, com um conhecimento sobre arte que eu nunca vi igual. Vou ser grato pelo resto da vida por tudo que ela fez”.
Filho de Candido Portinari, João Candido Portinari traz à memória o que Maria, sua esposa, dizia de Bia.
E é já na dobra da saudade que a escritora Ana Miranda também deixa palavras à amiga. “Era uma pessoa feita de bondade, beleza, sensibilidade, inteligência. Parecia uma luz dourada. Tinha o coração cheio de afeto e espalhava alegria. Fazia um trabalho magnífico de conscientização pelas artes com seus cursos e rodas de conversas, sempre criativos e de altíssima qualidade. Plantou sementes muito fortes. Saudades da Bia”.
Veja depoimento de João Candido e Maria Portinari na íntegra
"Conhecemos e convivemos com a Bia, e podemos testemunhar — Maria (minha esposa) e eu — da sua grandeza humana, e da intensidade com que ela se dedicou às artes, à sua família e aos seus amigos.
Junto com o nosso querido amigo Max ela formava uma das duplas mais competentes, mais dinâmicas, mais apaixonadas pela Arte brasileira em suas galerias de Fortaleza, Rio e São Paulo, onde promoveram importantíssimas exposições, sempre impecáveis em seus menores detalhes.
Tive oportunidade de conhecer e participar de reuniões de grupos de estudo na Galeria Multiarte idealizados e promovidos pela Bia, que congregava em torno de si profissionais não só das artes, mas também de outros setores, que ali se entregavam de corpo e alma à História da Arte, e suas ramificações, com a importante participação de seu filho Vitor.
Maria (minha esposa) sempre me dizia que Bia a fazia se lembrar de minha mãe, por ter sido o braço direito e grande companheira do Max, como minha mãe o foi para meu pai. A Arte brasileira deve muito à Bia, assim como também seus amigos, tocados por sua mão sempre generosa, sensata e entusiasmada.
Estamos desolados com essa perda tão precoce, e sentindo a dor da sua família.
Que os anjos nos protejam a todos".
dn
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