Em seus 294 anos de existência, Fortaleza é celebrada, sobretudo, por sua gente. Também em tempos de incertezas, são as pessoas que conduzem a cidade rumo a dias melhores. Neste aniversário, os aplausos também são dedicados aos profissionais da Saúde que estão na linha de frente do combate à Covid-19.
Com 12 anos de experiência em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), Mariana Chaves pode afirmar com segurança que o atendimento de pacientes com o novo vírus "supera tudo". Aos 39 anos, a endocrinologista e clínica-geral do Instituto Dr. José Frota (IJF) se voluntariou para atuar na área do novo coronavírus, no IJF 2, há três semanas.
Sua rotina é alternada entre turnos de seis horas, durante o dia, e 12 horas à noite. Cada plantonista como ela atende, em média, 10 pacientes. "Neste período, a gente não pode sair para absolutamente nada, nem passar da porta. A gente não pode ir ao banheiro, nem comer ou beber água. Só se acontecer um acidente e a roupa rasgar. Aí tem que trocar". As pausas são exclusivas para o período da madrugada, quando é feito um revezamento. "Nessas horas, a gente pode tirar um pouco o equipamento, porque o material machuca. A máscara tem que ser bem vedada, e como tem uma estrutura de metal, acaba marcando o rosto. Às vezes são seis horas que a gente não consegue nem se sentar".
Mariana divide os plantões com o marido, que também é médico no IJF. "No plantão, a gente tem pouco contato, mas é bom ter essa presença como apoio, para compartilhar uma informação ou tirar uma dúvida", confessa. Os poucos objetos pessoais que levam para o trabalho são higienizados para evitar a contaminação dos filhos, que ficam na companhia da babá enquanto os pais estão no hospital.
Na última sexta-feira (10), foi o aniversário de cinco anos da filha do casal. A festa com convidados em um buffet foi substituída por uma celebração íntima em casa. "Eu vi que a alegria dela de fazer o aniversário só entre a gente é a mesma. A gente 'tá' aprendendo a viver com menos, e a valorizar as pequenas coisas".
Superar conflitos
Mesmo para quem já está acostumado a trabalhar com doenças infecciosas, a Covid-19 é uma novidade. A necessidade de se adaptar também é vivenciada por Nancy Costa, 50, chefe de enfermagem do Hospital São José. "Temos que trabalhar com o temor dos profissionais de Saúde. É a enfermagem que desponta na frente. A enfermagem está o tempo todo com o paciente, desde o momento em que ele chega à instituição até o momento da alta ou do óbito", afirma.
A chefe de enfermagem aponta o contexto como delicado, principalmente, em relação aos óbitos. Como o protocolo alterou os rituais de velório e enterro, a dor dos familiares é ainda mais sentida. "Hoje eu vi uma mãe chorando, querendo reconhecer o corpo do filho. Ela não o via há vários dias, porque não está podendo ter visita", conta Nancy. Para entrar no necrotério, a mãe vestiu todo o equipamento de proteção obrigatório. A um metro de distância, e utilizando uma máscara com filtro, pôde ver - pela última vez- o rosto do filho.
Além da assistência que inclui ministrar medicamentos, a enfermagem oferece o suporte emocional para pacientes em isolamento. "Ele fica sozinho em uma enfermaria, com a porta trancada. É uma situação bem diferente". Como o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) está sendo otimizado, são as enfermeiras que levam o alimento dos pacientes. "Nesse momento que elas entram, muitas perguntam se os pacientes querem que faça uma oração, cantam para eles".
Hoje, ela passa de 12 a 14 horas por dia no hospital. No restante do tempo, em casa, fica isolada do marido e da filha, em um quarto. O aniversário de 82 anos do pai foi comemorado no dia 26 de março, e ela foi até a casa dele para cantar parabéns do lado de fora do portão. A cena deve se repetir no dia 20 de abril, quando sua mãe completar 76 anos.
"O fato de estar trabalhando na linha de frente é muito desafiador nesse sentido. Não queremos que aconteça nada com nossos parentes. Meu pai é cardiopata, hipertenso, está no grupo de risco. Desde quando começaram os casos no Ceará, eu não fui mais lá".
Dissipar o pânico
Quando não está atendendo no hospital, Gregório Fernandes, 38, resolve os problemas, por telefone, de casa. O médico intensivista e chefe das UTIs do IJF observa que o dinamismo da situação faz com que tudo tenha que ser resolvido de imediato. "É importante ressaltar que isso não é uma coisa de uma pessoa só. Existe toda uma equipe para fazer acontecer", declara.
Para ele, um dos principais fatores que diferenciam o enfrentamento ao novo coronavírus dos demais atendimentos é o alto risco de contaminação por parte dos profissionais da Saúde, que gera medo entre eles. Por isso, garantir a segurança é uma prioridade.
Em sua vida pessoal, passou a valorizar pequenos atos que passavam despercebidos antes. "Uma refeição entre familiares, colocar as crianças pra dormir, estar ao lado da esposa, conversar dentro de casa, esquecer das redes sociais e valorizar esses pequenos grandes momentos com a família".
Proximidade
Antes da epidemia chegar ao Ceará, o celular de Sarah Mendes, 34, era um item pessoal. O aparelho, "agora público", dispara com ligações e mensagens quase ininterruptas de pessoas desconhecidas em diferentes locais. Ela trabalha como assessora técnica da Coordenadoria de Vigilância Epidemiológica e Prevenção em Saúde da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), e apesar de não estar em contato físico com pacientes, contribui diretamente para a saúde coletiva.
"O meu trabalho diante dessa pandemia é fazer a coordenação da resposta de contatos dos casos confirmados e óbitos. É analisar os dados desses contatos, fazer ligações, contabilizar as respostas nas regiões de saúde", explica. Para tentar interromper a cadeia de transmissão do vírus, é preciso contatar o paciente que testou positivo para Covid-19, investigar se existem comorbidades ou fatores de risco, e orientá-lo.
A equipe de Vigilância Epidemiológica já precisou realizar cerca de 6 mil ligações. E os números não diminuem. Presencialmente, a assessora trabalha nove horas, mas pode chegar a 13h se for remoto. O ritmo de trabalho é desgastante, e o contato com a família é prejudicado. A saudade cresce desde o dia 15 de março, última vez em que esteve com a mãe e os irmãos.
"Falando agora, já me deu vontade de chorar", admite. "A gente estava muito frenético, não estava dando valor a muitas coisas que, hoje, a gente consegue enxergar. O que fica de aprendizado é valorização das pessoas. Enquanto a gente pode estar junto".
DN
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