Foram precisamente 4 anos, 11 meses e 7 dias preso por um crime da
qual não foi culpado. Quando Antônio Cláudio Barbosa de Castro sair,
nesta terça-feira (30), do Centro de Execução Penal e Integração Social
Vasco Damasceno Weyne (Cepis), conhecido como CPPL V, em Itaitinga, a
vida recomeça, após uma reviravolta.
Ele foi preso em 2014 preventivamente acusado de estupro de
vulnerável. Em 2018 foi condenado a 9 anos de prisão. Ontem,
desembargadores das Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Ceará
(TJCE) reviram a condenação e o absolveram.
A revisão criminal foi proposta pela Defensoria Pública do Ceará e
Innocence Project (IP) Brasil, associação sem fins lucrativos que busca
reverter condenações de inocentes. No julgamento, dois desembargadores
votaram contrários à revisão da sentença e anulação da pena. Outros
oito, dentre elas a desembargadora relatora do caso desembargadora
Marlúcia de Araújo Bezerra, foram favoráveis.
O pedido de revisão foi, então, considerado procedente e Antônio
Cláudio Barbosa de Castro declarado formalmente inocente. A
desembargadora Marlúcia de Araújo Bezerra deve assinar hoje o alvará de
soltura do preso.
A família aguarda com ansiedade o momento que Antônio Cláudio deixará
o cárcere. Nos quase cinco anos, além da CCPL V, ele também ficou preso
na Casa de Privação Provisória de Liberdade III (CPPL III), em
Itaitinga.
Para chegar a esse desfecho, duas vias foram percorridas
inicialmente. A família, segundo a irmã do preso, Antônia Geralda
Castro, conta que desde a prisão, buscava uma forma de comprovar a
inocência do irmão. Através de um filme soube da existência do Innocence
Project (IP) Brasil, que até então só exista nos Estados Unidos. Há
dois anos, relata ela, um escritório da organização foi aberta em São
Paulo e a família entrou em contato. A partir daí, a organização começou
a atuar no caso.
Em paralelo, duas inspetoras da Polícia Civil do Ceará, que haviam
atuado na investigação do caso, procuraram a Defensoria Pública do
Estado do Ceará, com a mesma finalidade da família, evidenciar que
Antônio Cláudio não era culpado. A inspetora Juliana Garcia, explica que
ela trabalhava no 5º Distrito Policial, na Parangaba, quando a série de
ataques à mulheres teve início. O caso ficou conhecido como 'Maníaco da
Moto' e o criminoso que se deslocava em uma motocicleta vermelha,
abordar as vítimas com uma faca para ameaçá-las e violentá-las.
Denúncia
Na época cerca de 8 vítimas formalizaram a denúncia. "Uma das vítimas
chegou a delegacia com uma foto de um homem que ela tinha reconhecido
em um salão de beleza pela voz. Só que essa foto já tinha sido
distribuída para outras vítimas e quando elas chegavam na delegacia elas
já estavam com aquela pessoa em mente". A imagem era de Antônio
Cláudio. A Polícia continuou trabalhando com as provas técnicas, mas com
os relatos das vítimas, o mandado de prisão foi expedido.
Outro fato que intrigava os investigadores, explica a inspetora, é
que o homem que cometeu os crimes sexuais tem mais de 1,80m de altura,
enquanto Antônio Cláudio tem apenas 1,59m. "As imagens não condiziam com
a altura", reforça ela. Um vídeo de uma câmera de monitoramento
atestava essa diferença. "Inclusive o próprio delegado colocou nos autos
alegando que aquele rapaz não era o rapaz das imagens. A gente colocou
nos autos isso", acrescenta a inspetora Daniele Vidal, que também
trabalhou no caso. As duas inspetoras foram testemunhas de defesa de
Antônio Cláudio.
Apesar das alegações de que as evidências eram fracas, o processo
teve continuidade e, em 2018, ele foi condenado a pena de 9 anos de
prisão por ter cometido estupro de vulnerável. A denúncia inicial era de
estupro de 8 mulheres. Mas no decorrer da investigação e julgamento do
processo apenas três vítimas mantiveram a acusação. No julgamento,
conforme sustentado pela Defensoria Pública, duas mulheres não o
reconheceram como agressor. Apenas uma das vítimas, na época com 11
anos, assegurou que Antônio Cláudio era o criminoso.
Trabalho
Na decisão de ontem os desembargadores consideraram todas as
fragilidades das provas. No pedido de revisão da Defensoria Pública e o
Innocence Project acrescentam, que os ataques do 'Maníaco da Moto'
tiveram continuidade, mesmo após a prisão de Antônio. Uma mulher teria
sido estuprada em abril de 2015 e outra em janeiro de 2016.
A advogada do Innocence Project (IP) Brasil, Flávia Rahal, explica
que a organização existe há 25 anos nos Estados Unidos, e essa é
asegunda vitória no Brasil, sendo a primeira no Ceará. “Foi uma luta da
Defensoria Pública e do Innocence Project. Nós fomos procurados pela
família e por uma ex-namorada de Antônio Cláudio, sempre muito
convencida da inocência dele.
Fizemos um trabalho de investigação intenso e extenso para termos
novas provas da inocência. Nós tínhamos convicção absoluta de que não
era ele. As novas provas que são muitas convenceram também o Tribunal
fazendo com que umainjustiça,que jáduracinco anos, fosse finalmente
revertida”, explicou. O defensor público Emerson Castelo Branco reitera o
argumento e ressalta que “a Justiça é de interesse de todos e é preciso
tentar reparar os erros quando os erros acontecem”.
Emerson foi enfático na necessidade de se fazer Justiça no caso e
acrescentou que a participação das investigadoras foi fundamental. O
Ministério Público do Ceará (MPCE), que denunciou Antônio Cláudio pelo
crime, recuou e na revisão criminal se posicionou a favor da inocência.
Procurado, via assessoria de comunicação, na semana passada, o órgão
informou que o promotor responsável pelocasonãoiriaconcederentrevista,
já que o processo tramitava em sigilo. Ontem, durante o julgamento, o
Ministério Público apenas reiterou os argumentos da Defensoria no pedido
de revisão criminal.
dn
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