terça-feira, 25 de agosto de 2020

Brecha pode liberar candidatos ficha suja na eleição deste ano

 


O adiamento das eleições municipais para 15 de novembro pôs em evidência um impasse sobre o retorno às disputas eleitorais de políticos que foram condenados na Lei da Ficha Limpa no pleito de outubro de 2012 e estariam, portanto, prestes a cumprir os oito anos de inelegibilidade previstos em lei. 

Está nas mãos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidir se a contagem da pena, que começa a valer a partir da data da eleição na qual ocorreu o ilícito, em caso de crimes eleitorais, se encerra na mesma data, exatamente oito anos depois – neste caso, em outubro de 2020; ou no fim do oitavo ano da pena, portanto no dia 31 de dezembro. 

O questionamento à brecha foi enviado ao TSE pelo deputado federal cearense Célio Studart (PV), antes mesmo de o Congresso Nacional aprovar o adiamento das eleições, por medida de segurança, devido à pandemia da Covid-19. A controvérsia sobre o fim da vigência da inelegibilidade ficou mais evidente nos últimos dias, com os posicionamentos opostos da área técnica do TSE e do Ministério Público Eleitoral sobre o assunto. 

O parecer técnico da assessoria do TSE defendeu a resposta negativa ao questionamento do deputado. Ou seja, os candidatos que em 7 de outubro de 2020 estariam inelegíveis poderiam disputar o pleito remarcado para novembro. Foi ponderado ainda que eventual mudança do prazo deveria ter sido feita na emenda constitucional aprovada pelo Congresso para adiar as eleições. O parecer defende que o prazo de inelegibilidade decorrente da condenação por abuso de poder econômico ou político tem início no dia da eleição em que o ilícito ocorreu e “finda no igual número no oitavo ano seguinte”. 

Em contrapartida, o Ministério Público Eleitoral, em resposta ao TSE sobre o tema, defendeu que os candidatos fichas sujas, considerados inelegíveis para as eleições deste ano, continuem impedidos de disputar cargos, mesmo com o adiamento para novembro. 

O vice-procurador-geral eleitoral, Renato Brill de Góes, disse entender que o prazo de inelegibilidade deve valer até o fim do oitavo ano da punição – e não apenas até a data da eleição. No documento, Góes argumenta que, como a legislação diz que a inelegibilidade vale “para as eleições a se realizarem nos oito anos subsequentes à eleição”, isso “permite concluir que o prazo de restrição ao direito de elegibilidade finda com o efetivo término do oitavo ano”. 

Ceará 

O coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral do Ministério Público do Ceará, promotor Emmanuel Girão, defende a mesma tese. “É uma matéria muito controversa e com um aspecto inédito porque é a primeira vez que houve o adiamento das eleições”, ressalta. 

Girão lembra que, nas eleições de 2012, houve um movimento contrário que, em comparação com o dilema atual, “pode criar uma situação de injustiça”, afirma. Segundo ele, as eleições de 2004 aconteceram em 4 de outubro, já as de 2012 caíram no dia 7 de outubro. Portanto, caso se considerasse a exatidão dos oito anos a contar da data do pleito, os condenados em 2004 poderiam ter disputado cargos em 2012. 

“Há uma interpretação de que se conta o ano inteiro. Nesse caso, o adiamento das eleições não afetaria a inelegibilidade. Se fui condenado em 2012, estaria inelegível por 2013, 2014, 2015 até 2020, o ano inteiro. Por que a Procuradoria Eleitoral se manifestou por esse entendimento? Foi o objetivo da Lei da Ficha Limpa: que a inelegibilidade durasse oito anos, o equivalente a duas legislaturas”, pontua.

No Ceará, em 2012, segundo o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-CE) foram condenados e tornados inelegíveis por oito anos, na disputa pelo Poder Executivo, o candidato a prefeito de Meruoca João Coutinho Aguiar Neto e o vice, Rubens Lima Vasconcelos; a candidata a prefeita de Tarrafas Lucineide Batista de Oliveira, e o vice Francisco Alves de Oliveira; o candidato a prefeito de Araripe José Humberto Germano Correia, e o vice Guilherme Lopes de Alencar; e o candidato a prefeito em Ibicuitinga José Edmilson Gomes, e o vice, José Maria Fernandes. 

No caso de condenados por crimes eleitorais, o marco inicial para a contagem do prazo de inelegibilidade é a data da eleição na qual ocorreu o ato ilícito. No caso de crimes comuns, é a data da condenação. Para Emmanuel Girão, o movimento que defende o fim da vigência da penalidade em outubro tenta “enfraquecer a Lei da Ficha Limpa”. 

Ainda não há um balanço de possíveis beneficiados com o término da pena em outubro, conforme Girão, porque os protocolos de registro de candidatura só acontecerão de 31 de agosto a 16 de setembro. A partir daí, será possível identificar quais fichas sujas tentarão se candidatar. 

“Se o TSE não mudar o parecer, os Tribunais Regionais Eleitorais não vão poder barrar esses registros de candidatura, o que é péssimo para o fortalecimento da Lei da Ficha Limpa”, destaca o deputado Célio Studart.

Prazos

Para advogados eleitorais, a questão passa por um ponto básico: o tempo da restrição. Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-CE, Fernandes Neto avalia que o “prazo de inelegibilidade é uma restrição a um direito, e é uma restrição temporária”. 

Segundo ele, os prazos não podem ser estendidos em razão das eleições porque os casos “têm prazos próprios de começo e de fim”, e que a possibilidade de ajuste violaria garantias constitucionais. “Nem a Emenda à Constituição 107/2020, que alterou os prazos da eleição, teria essa possibilidade de estender os prazos de inelegibilidade porque violaria os direitos fundamentais da pessoa”, diz.

O entendimento é compartilhado pela advogada Isabel Mota. “Não é legal que se crie uma estratégia para dar ultratividade para um prazo que já vai morrer. Essa polêmica não tem a ver com o prazo de inelegibilidade, mas ao fato do deslocamento das eleições”, pontua. Para a especialista, possível alteração nos prazos pode gerar insegurança jurídica porque aplicaria “pena” maior a um cidadão que já cumpriu o determinado pela Justiça.

Impedidos

Levantamento feito pela Associação de Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) aponta que o Ceará é um dos líderes no País na quantidade de gestores públicos que podem estar enquadrados na Lei da Ficha Limpa para a disputa municipal deste ano. São pelo menos 2.900 nomes que não poderão se candidatar em novembro por conta de irregularidades na administração pública. 

O Estado de Minas Gerais, um dos mais populosos do País, tem quase a metade dos casos cearenses: 1.489.
Em todo ano eleitoral são os Tribunais de Contas dos estados que encaminham à Justiça Eleitoral os casos de irregularidades. É a partir desse balanço que o enquadramento é formalizado.

Procurado, o Tribunal de Contas do Ceará argumentou que os números divulgados pela Atricon são considerados parciais. A Corte ainda não encaminhou a lista definitiva, o que deve ser feito até o dia 26 de setembro. É quando o TCE terá um retrato mais fiel dos casos que se enquadram na Lei.

Levantamento feito pelo Diário do Nordeste no site do Tribunal de Contas cearense aponta que 968 processos foram instaurados em 2012 e que poderiam refletir no pleito deste ano. No entanto, não necessariamente todos eles estão na situação de enquadramento da Lei da Ficha Limpa por conta dos trâmites individuais de cada gestor público.

A Lei da Ficha Limpa completou dez anos em junho deste ano. 

Ela considera inelegíveis os candidatos condenados na prática de crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; por crimes contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; e por crimes contra o meio ambiente e a saúde pública. 

Também não estão aptos a concorrer a eleições candidatos que tenham cometido crimes eleitorais com previsão de pena privativa de liberdade; crimes de abuso de autoridade, entre outros. 

dn

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