Os relatos das mulheres policiais que se destacam dentro das corporações mostram que a não normalidade na profissão está no olhar do outro. Demonstrar suas capacidades é tarefa diária, cumprida com êxito, ao lado dos colegas de trabalho que em sua maioria permanecem sendo os homens
É sobre ser mulher. Além das ideias pré-concebidas, que formam um
estereótipo fora da realidade. "Lugar de mulher é onde ela quiser", é o
que dizem, há algum tempo, sobre a sociedade aceitar as escolhas
alheias, inclusive no que se refere ao âmbito profissional. Para quem
protagoniza a história, o estranhamento vem de fora e não deve ser
limitante.
Quando completou 18 anos, Lívia Xavier terminou o Ensino Médio e, por
um pedido do pai, começou a se dedicar às provas de concursos públicos.
Não importava onde seria o local de trabalho, desde que a jovem já se
preparasse ali para uma independência financeira e construção de
carreira. Foram três aprovações em um curto espaço de tempo, entretanto
devido ao salário e por ter sido logo convocada, optou por ingressar na
Polícia Militar do Estado do Ceará (PM-CE).
Prestes a completar 10 anos como membro da corporação, a cabo do
Batalhão de Choque da Polícia Militar do Ceará (BPChoque), relembra sua
entrada na PM e as dificuldades pelas quais já passou. Durante cinco
anos, Lívia integrou o extinto Ronda do Quarteirão e começou a se apegar
pela profissão.
"Foi tudo de paraquedas. Todo mundo na minha casa apoiou e disse que
dando certo ou não eles me ajudariam. Fui para o recrutamento e fiquei
lotada no Ronda. Me adaptei ao serviço, que na época era voltado para
uma polícia comunitária. Isso foi bom pessoal e profissionalmente. Foi
onde eu conheci a realidade do mundo, vi a pobreza e saí da minha
bolha", contou a 'choqueana', como são conhecidas as mulheres que atuam
dentro deste Batalhão.
Sua ida para o policiamento especializado também não foi premeditada.
A militar afirma que se inscreveu para o curso por influência dos
amigos, que acreditavam que ela fosse capaz de estar no BPChoque. Há
cinco anos, ela se formava junto às primeiras mulheres a ingressar neste
Batalhão.
Propósito
A delegada Socorro Portela tem quase o mesmo tempo de concursada da
cabo Lívia. Durante os nove anos de carreira, a policial civil passou
por diversas delegacias e se consolidou como a única mulher do Ceará a
ter dirigido as duas principais unidades investigativas da PC do Estado:
o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e também a
Divisão de Combate ao Tráfico de Drogas (DCTD).
Atualmente lotada como delegada titular do 2º Distrito Policial
(Aldeota), com uma equipe de 60 servidores, Socorro pontua que nos nove
anos de carreira não sentiu nenhuma dificuldade em chefiar pessoas do
sexo oposto. Para a policial civil, o gênero não a impediu de conquistar
grandes feitos na profissão.
"Acho que tudo é uma questão de esforço. Se você trabalha, você é
tratada com respeito e é admirada. Ainda é uma profissão com mais
homens, mas nunca senti nenhuma dificuldade. Eu amo ser delegada de
Polícia. É um sonho realizado. Na minha vida pessoal, ser delegada nunca
interferiu. Meu marido também é do meio, do Poder Judiciário. Assim
como tudo na vida, claro, cada conquista acontece a partir de muita
dedicação", afirmou Socorro.
Samara Alves, primeira mulher do Batalhão de Policiamento de Rondas e
Ações Intensivas e Ostensivas (BPRaio) no interior do Ceará, também
pontua que a dedicação é o diferencial para o reconhecimento. Mesmo
assim, o preconceito dentro e fora da Corporação não deixa de existir.
"Vai além do ambiente da Polícia Militar. É por ser mulher. Sempre
acham um motivo, mas eu também sei que isso não deve me atingir. Sei o
que posso fazer e onde quero chegar. O conselho que eu dou para todas as
mulheres é que, por mais que digam que você não vai conseguir, tente.
Ninguém pode me definir ou me limitar. Sou muito feliz como PM. Missão
dada é missão cumprida", se orgulha a policial militar Samara.
Samara, PM do BPRaio
Luta
A cabo do BPChoque Lívia acrescenta que conseguir a admiração dos
colegas foi consequência que veio com o tempo. "Eu era e tinha
comportamento de menina. As pessoas tinham resistência logo aí", lembra.
A criação dentro de casa interferiu diretamente para que ela
enfrentasse obstáculos diante dos acontecimentos vivenciados no dia a
dia do início da profissão.
"O machismo existe. Todo dia tenho que provar que sou capaz e mereço
estar aqui. De farda ou não, sou a mesma Lívia. Fui criada em um meio
que mulher pode fazer o que ela tiver vontade. Se tem objetivo e foco,
consegue. A luta continua sendo diária".
dn
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